Do que o Brasil precisa, reforma ou refundação tributária?

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Por Carlos Eduardo Gasperin, advogado e mestre em Direito Tributário pela FGV-SP

O Brasil se prepara para debater uma das suas principais mazelas estruturais: o Sistema Tributário Nacional, com toda a sua complexidade, inequidades e ineficiências. A atenção está voltada, principalmente, para reestruturação da tributação de consumo, hoje dividida entre os três entes da Federação: União (com o PIS/COFINS e o IPI), Estados (com o ICMS) e os Municípios (com o ISS). Tramitam no Congresso Nacional, em estágio avançado, duas Propostas de Emenda a Constituição (PECs 45 e 110) que pretendem uma completa reformulação dessa sistemática.

A ideia principal dessas propostas é a unificação da tributação do consumo para que o Brasil adote um imposto sobre valor adicionado (IVA) nos padrões europeus ou existentes, de forma bipartida, em algumas federações do mundo. Portanto, haveria uma unificação e uma simplificação da forma como o consumo das famílias brasileiras seria taxado.

O objetivo de simplificação é nobre, mas não pode ser alcançado a todo custo. O Brasil é uma República Federativa de proporções continentais, possuindo unidades federadas de características econômicas diversas uma das outras que, muitas vezes, tem no seu tributo importante instrumento fiscal de fomento aos seus agentes econômicos ali instalado ou de atração para novos investimentos.

Um exemplo de impacto da tributação unificada é aquele que acometerá o agronegócio e Estados dele dependentes, como o Paraná, por exemplo. Com uma alíquota única, provavelmente haverá incremento da carga tributária efetiva do setor. Se pensarmos no modelo cooperativo que impera no Estado, é possível apontar, ainda, o risco de bitributação ao longo das movimentações entre cooperativa e cooperado.

Uma reforma tributária deve levar em consideração essas características nacionais, além da cultura de repartição de competências e de exercício da autonomia financeira dos entes subnacionais por meio de instrumentos tributários próprios.

Boa parte dos benefícios que se alardeiam que as respectivas PECs propagandeiam já são possíveis de serem alcançadas por meio de implementação de instrumentos legislativos já previstos na legislação dos tributos já existentes, ou por mera racionalização das normas infraconstitucionais.

Um exemplo: aponta-se que o IVA proposto implementará a não-cumulatividade plena, cada etapa sendo tributada e gerando crédito para as demais. Se olharmos para Lei Complementar 87/96, que rege o ICMS, essa disposição já existe, mas sua aplicação vem sendo postergada ao longo dos anos pelos Estados. Da mesma forma, a restituição dos créditos aos exportadores é mecanismo já previsto na citada da legislação, mas que não vem sendo aplicada a contento porque Estados e União não encontram uma forma dessa compensar aqueles pelas perdas.

Outro exemplo, a dita “guerra fiscal” que se pretende acabar com a tributação unificada pode ser combatida com reformas das regras postas pela LC 24/75, retirando-se, por exemplo, a unanimidade na análise para a concessão dos benefícios fiscais entre os Estados, exigindo um equilíbrio de contas públicas para tanto, etc. Também, o exercício da competência do Senado Federal para fixar alíquotas interestaduais em determinadas operações – como feito, por exemplo, com a Resolução 13/2012 fixando alíquota para produtos importados, visando a combater a chamada “guerra dos portos”.

Isso significa que as mazelas do sistema tributário nacional podem ser atacadas por meio de alterações legislativas menos profundas e que não causem tanto trauma à estrutura política e constitucional como o fazem as propostas que estão em voga.

Referidas PECs colocarão por terra toda a sistemática de tributação do consumo vigente no país há mais de 60 anos, ao longo dos quais conceitos jurídicos foram imensamente debatidos pela doutrina e jurisprudência, consolidando entendimentos sobre os limites da utilização desses instrumentos tributários.

Uma vez aprovadas, demandarão que sejam regulamentadas por lei complementar e depois leis ordinárias locais. Se lembrarmos da Constituição de 1988, que reformulou o ICMS estadual, veremos que somente quase dez anos após a promulgação da Carta é que veio a ser publicada a LC 87/96 que regulamentou o tributo. Até lá, um ato infralegal regeu a incidência.

Ou seja, as propostas lançarão o Brasil a um mundo de incertezas legislativas. É fato que se prevê um período de transição – fala-se em 08 anos, a contar, sempre, da promulgação dos atos infraconstitucionais que, de fato, instituirão o novo tributo -.

Durante esse período de transição o contribuinte nacional deverá conviver com dois sistemas diferentes. Essa mazela se arrastará, em verdade, para além do prazo definido nas propostas, já que há prazos decadenciais e prescricionais que manterão vivos os tributos anteriores; haverá questões ainda não julgadas referentes ao sistema anterior que, em determinado momento futuro, deverão ser solucionadas; além de que todo o novo arcabouço conceitual inaugurado pela nova sistemática deverá se sedimentar ao longo das décadas vindouras por meio de debates doutrinários e jurisprudencial que virão.

Isso significa que não devemos fazer uma reforma tributária? Não! Apenas que devemos fazê-la de uma forma mais prudente e adequada às nossas características sociais, econômicas e políticas; valendo-se, se possível da estrutura já existente e conhecida pelos brasileiros há mais de meio século, evitando embarcar em aventuras legislativas – que sequer o constituinte de 1988 aceitou- que podem instaurar o caos e a insegurança por muitos anos. Precisamos de uma reforma tributária, ajuste e não refunde todo o arcabouço legislativo existente.

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