“O trabalho dignifica o homem”. O dito popular que valoriza qualquer tipo de atividade profissional, sem desmerecer salário, serviço braçal, intelectual ou mesmo relacionado ao grau de escolaridade. O importante é ser respeitado e ter a lei trabalhista sendo cumprida. Mas um setor em especial tem recebido críticas em Curitiba.
O serviço nos hipermercados virou alvo de reclamação mesmo com a elevada quantidade de oportunidades ofertadas pelas redes semanalmente e a presença maciça de estrangeiros. A sensação é que mutirões de vagas para esta área não dão conta da desistência de profissionais em trabalhar nos caixas, por exemplo.
Francisco Moraes Reis, 45 anos, foi fiscal de loja de um hipermercado que atua em todo o Paraná. Ficou apenas quatro meses e desistiu devido as condições de trabalho da empresa.
“É um terror, parece que fiquei 5 anos de tanto desgaste que tive. Nas propagandas ou anúncios de emprego deles, tudo é bonito, mas ninguém observa o lado obscuro do mercado. O salário é ruim e com descontos. Cheguei a receber menos de R$ 1000, e tudo era negado. O meu contrato era de 8 horas diárias, mas nunca era assim, sem contar que não pagaram hora extra”, disse Francisco, que contou ainda que tinha uma folga semanal sem saber quando iria tirar o dia de descanso.
Nas redes sociais é fácil encontrar críticas aos hipermercados quando o assunto é oportunidade de emprego. No Facebook da Tribuna do Paraná, por exemplo, vários comentários mostram a indignação no serviço. “Fui muito humilhado e quando vejo alguém defendendo esse tipo de empresa sinto nojo”, escreveu um rapaz.
Na sequência, outra pessoa comentou: “As pessoas que decidem trabalhar em mercados já têm que ir ciente que vão trabalhar direto e reto. Uma folga semanal e um domingo por mês. Mercado é tudo igual. É quase um trabalho escravo, sempre vai ter vagas”, escreveu uma mulher.
Naturalmente, a opinião acabou rendendo polêmica. “O povo do mimimi, tem que trabalhar sábado e domingo, né? Feriados e folgas programadas aí não quero. A Agência do trabalhador com mais de 10 mil vagas abertas para prestação de serviço e ninguém quer, pois tem que trabalhar nos fins de semana e feriados’. Aí não tem emprego”, ironizou a internauta.
Poucos dados
O Sindicato que representa os empregados no comércio varejista de gêneros alimentícios em mercados, minimercados, supermercados, hipermercados de Curitiba, Região Metropolitana e Litoral do Estado do Paraná, é o Siemarc.
Segundo o presidente Vanderlei Trindade, as reclamações e denúncias surgem mais na internet do que oficialmente no sindicato. “Todas as reclamações que recebemos apuramos, notificamos e agimos em prol dos trabalhadores. Não temos um número expressivo de denúncias, as grandes empresas têm tomado mais cuidado no serviço. A princípio, não temos verificado grandes problemas, a atividade nos hipermercados tem promovido ofertas de emprego, o momento é positivo para o setor”, disse o presidente.
Quanto ao salário que estaria sendo pago por menos de R$ 1000, Vanderlei comentou que o piso de algumas categorias é de R$ 1500, e com os descontos, o valor líquido do ordenado reduz. “Depende do local, alguns oferecem vale-mercado, farmácia, transporte, e tem o INSS”, completou Vanderlei Trindade.
A reportagem procurou a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), que informou que não possui recomendações aos funcionários do setor para que possam se precaver ao aceitar a oferta de trabalho. Vale reforçar também que alguns hipermercados de Curitiba utilizam agências de emprego para realizar a seleção dos candidatos.
A Tribuna do Paraná manteve contato com o Ministério Público do Trabalho (MPT) para identificar possíveis ações contra os hipermercados. Foi informado que não seria possível repassar informações, pois não se tem dados específicos de determinados setores/ramos.
Já a Associação Paranaense de Supermercados (APRAS), por meio de nota, comunicou que os estabelecimentos comerciais tem total liberdade na administração dos funcionários contratados. “Os supermercados têm total e plena liberdade na contratação e administração dos seus funcionários, por isso, a APRAS não monitora esse tipo de movimentação. Também não é de conhecimento da APRAS as dinâmicas aplicadas pelos associados”, completou a nota.
Venezuelanos aproveitam
Enquanto brasileiros escolhem o local de trabalho, os venezuelanos estão recorrendo aos supermercados para conseguir uma renda no Brasil. Curitiba é o município brasileiro que mais recebeu venezuelanos desde abril de 2018. São 7815 venezuelanos acolhidos na capital paranaense, passando Manaus e São Paulo. Os dados são de março deste ano, contabilizados pelo Subcomitê Federal para Acolhimento e Interiorização de Imigrantes em Situação de Vulnerabilidade.
Na capital, duas Casas de Passagem dão abrigo aos imigrantes, e voluntários ajudam as famílias também na busca por emprego. Um bom exemplo é feito pela Cáritas da Arquidiocese de Curitiba, que promove feiras e integra ao máximo o estrangeiro no país.
“Nosso objetivo é promover o acolhimento e proteção legal dos refugiados e migrantes que buscam Curitiba para um novo recomeço de suas vidas. As feiras promovem a integração laboral e socioeconômica dessa população, para que tenham autonomia por meio do acesso às oportunidades de emprego e à renda”, explicou Ana Lídia Oliveira, coordenadora da Cáritas de Curitiba.