Na reunião em que o Grupo MOL anunciou a licença menstrual para as funcionárias, a gerente de negócios Carol Mucidda, 30, ficou emocionada. Ela é colaboradora da organização há dois anos e se lembrou de outras experiências profissionais, quando teve que trabalhar mesmo com dores e incômodos da menstruação. “É um acolhimento”, diz.
“Por mais que não estejamos doentes, temos reações que nos impedem de exercer nossas funções com uma melhor performance porque naquele momento estamos sentindo desconfortos”, diz Carol.
Era 8 de março de 2023, Dia Internacional da Mulher, quando a empresa passou a conceder dois dias de afastamento remunerado durante o período menstrual como benefício para suas colaboradoras. A organização foi a primeira empresa brasileira a dar a licença. Quase 90% do quadro de funcionários do grupo é formado por mulheres —são 55 funcionários, e 49 mulheres.
A gerente de negócios conta que a notícia gerou curiosidade em amigas que não trabalham na mesma empresa. No grupo delas no WhatsApp, todas engenheiras de formação, a iniciativa dividiu opiniões. “Para mim, era uma coisa óbvia que todas as mulheres deveriam levantar essa bandeira, fiquei surpresa pela divisão de opiniões”, conta Carol. “Muitas aprovaram, mas outras ficaram em dúvida sobre a viabilidade da iniciativa.”
Grupo se inspirou em legislação espanhola
No início deste mês, servidoras públicas do Distrito Federal que sofrem com dores intensas durante o período menstrual passaram a ter direito a licença de até três dias, a cada mês, do trabalho.
Em âmbito nacional, o PL 1249/2022 discute a inclusão da licença menstrual como um direito trabalhista na CLT. O texto prevê até três dias de licença menstrual sem descontos no salário. A proposta ainda está em discussão na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, na Câmara dos Deputados, e não tem previsão para votação em plenário.
A Espanha se tornou o primeiro país europeu, em 2023, a aprovar uma lei sobre o tema. A implementação do benefício no grupo MOL foi inspirada na experiência espanhola, conta Roberta Faria, cofundadora e CEO da empresa. “Li a notícia que saiu em todos os grandes portais. Não conhecia esse termo, mas já fazíamos algo parecido sem chamar por esse nome”, conta.
“Por ser um ambiente de trabalho e um segmento em que temos controle sobre os nossos prazos de entrega e em como organizamos o trabalho, já fazia parte da nossa cultura a liderança liberar para descansar alguém que não estivesse se sentindo bem porque está na TPM ou no período menstrual. Só que a gente não tinha nem um nome nem uma conduta oficial para isto, conta.”
Roberta se reuniu com o departamento de recursos humanos para pesquisar e implementar o benefício. “Encontramos projetos de lei no Brasil, mas não referências de outras empresas que já fizessem isso por aqui, então desenhamos nossas próprias regras.”
Como funciona licença na prática
Na prática, o benefício funciona como uma licença de saúde. Pessoas que menstruam podem requisitar até dois dias a cada mês, sem descontos na folha de pagamento ou necessidade de reposição no horário.
“Menstruação não é doença, mas sabemos que pode ocasionar de forma temporária sintomas que são incapacitantes, dolorosos e impedem pessoas que menstruam de realizar plenamente suas funções. Isso merece ser reconhecido e respeitado.
Roberta Faria, cofundadora e CEO do Grupo MOL.”
Outra decisão do grupo foi desburocratizar o processo: para tirar os dois dias de licença, não é preciso apresentar atestado médico. Os profissionais contratados trabalham em regime home office e o escritório não tem uma enfermaria disponível.
“Ter que marcar uma consulta, ir ao hospital ou emergência para então passar por um médico, perderia o sentido. Sabemos que os sintomas são passageiros. Vimos que as legislações trazem isso, mas decidimos que seria uma licença baseada na confiança”, explica Roberta.”
“Não é que se você estiver menstruada, não vai trabalhar. Se você está assintomática, nada te impede. Mas se sentindo mal temporariamente, pode fazer essa pausa para se recuperar”, diz a cofundadora e CEO da empresa.
Carol Mucidda já desfrutou do benefício duas vezes. Ela lembra que, em um destes dias, iniciou o dia sem dores, mas a partir do horário de almoço, começou a sentir cólicas fortes.
“Entendi que meu corpo não estava respondendo da melhor forma. Não precisei tirar o dia inteiro, apenas aquele período da tarde. Justifiquei a ausência para minha liderança, não me senti intimidada. Se tenho direito à licença, prefiro dar um descanso para o meu corpo, que está pedindo isso, e voltar no outro dia recuperada e entregar minha melhor versão”, diz Carol”
O primeiro ano do benefício também foi o primeiro ano da designer Clara Rezende, 25, na empresa. Neste período, ela, que costuma ter dores fortes no primeiro dia do seu ciclo menstrual, também se ausentou do trabalho por duas vezes para tratar cólicas.
“Nunca imaginei ter acesso a isso, não sabia da possibilidade, achava normal trabalhar com dor. Foi mágico saber que não precisaria mais, que eu poderia esperar melhorar para poder voltar para minha função”, conta Clara. “Em outros trabalhos em que eu não tinha acesso a esse benefício, eu tinha que tomar remédio e torcer para a dor passar rápido.”
Impactos: benefício não afetou produtividade e ganhou prêmios
Um ano após o início da experiência, o Grupo MOL revela que o benefício não afetou a produtividade. Até janeiro deste ano, foram dadas 29 licenças, sendo que mais de 65% delas foram de apenas meio período.
O benefício vai na linha de pesquisas sobre o tema, que recomendam empresas oferecerem acolhimento e alternativas de cuidado a funcionárias com dores incapacitantes.
Um estudo da Academy of Managed Care Pharmacy, de 2017, aponta que uma mulher com endometriose perde, em média, seis horas de produtividade no trabalho por semana. Os pesquisadores analisaram dados de aproximadamente 1,4 mil mulheres diagnosticadas com endometriose em 10 países, incluindo o Brasil. A endometriose é uma doença que atinge uma em cada dez mulheres no país, segundo dados do Ministério da Saúde.
Roberta Faria afirma que ampliar o benefício a todas as pessoas que menstruam na empresa, e não somente àquelas que têm alguma condição de saúde conhecida, não trouxe impacto negativo na produtividade. “Entendemos que produtividade não equivale a tempo na frente do computador, mas a qualidade de entrega. Quando você não está no seu melhor momento, você não está entregando muito mesmo”, defende.
“Temos uma relação madura com as pessoas. Cada um sabe o que tem que fazer, os prazos e que se achar que não vai dar conta, vai renegociar, redistribuir, conversar com a equipe. O trabalho vai ser entregue, só que vai ter essa pausa.”
Roberta Faria, cofundadora e CEO do Grupo MOL.
A CEO diz entender que os caminhos que o grupo encontrou podem não ser aplicados por todos os setores, mas defende a licença menstrual para todos, com adaptações necessárias para cada empresa e seu tipo de negócio.
A iniciativa ganhou o prêmio Think Work Flash Innovations, em 2023, na categoria Remuneração e Benefícios, e levou o troféu de Destaque do Ano.