As finanças descentralizadas (DEFI) no contexto do planejamento tributário internacional.

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Em 11 de outubro de 2022 foi publicada na Forbes uma matéria que adiantaria uma tendência cada vez mais crescente entre milionários e bilionários, que fazem uso do planejamento tributário internacional.

A matéria com o título “The Secretive World Of MEV, Where Bots Front-Run Crypto Investors For Big Profits”, além de explicar, por exemplo, o funcionamento de uma nova estratégia de negociação, conhecida como mev trading, que no caso teria sido responsável por produzir lucro de U$$ 200.000,00, em milésimos de segundo, ela  também fala de um mercado cada vez mais utilizado por milionários e bilionários no contexto do planejamento tributário internacional

Trata-se do mercado das finanças descentralizadas, denotado pela sigla DEFI, que conforme já explicamos no nosso livro “O Guia Jurídico da Tokenização”, foi o mercado que inspirou o Banco Central do Brasil a criar o projeto de tokenização do Real, hoje conhecido como Drex.

Operações mev trading, como a mencionada na matéria da Forbes, apenas são passíveis de serem realizadas no DEFI, dado seu modo peculiar de funcionamento, isto é: totalmente automatizado por smart contracts, executados no contexto de redes distribuídas de computadores com caráter transnacional, a exemplo da rede Ethereum.

No Brasil, as características operacionais desse mercado passaram a ganhar maior relevância entre os estudiosos do planejamento tributário internacional, principalmente a partir da instrução normativa nº 2.180, publicada no dia 13 de março de 2024, voltada a regulamentar artigos da Lei nº 14.754, originária do projeto que ficou popularmente conhecido como “projeto para taxação dos super-ricos.

Na aludida Lei, o legislador quis tributar de modo mais severo uma série de estruturas utilizadas com frequência no âmbito do planejamento tributário internacional, como trusts, offshores, pretendendo  ainda abranger a disruptiva realidade dos criptoativos, que inclui operações com tokens e criptomoedas. 

Ocorre que no Brasil, contrariamente à União Europeia, não há na legislação um conceito detalhado de criptoativo, mas apenas de ativo virtual, extraído do artigo 3º da Lei 14.478/2022. 

De acordo com o inciso IV do artigo 3º da Lei, por exemplo, ativos financeiros tokenizados não podem ser considerados ativos virtuais, o que abre uma série de brechas jurídicas a serem exploradas pelos empreendedores.

Se isso já não bastasse, a Lei 14.754/2024 criou a curiosa figura dos “ativos virtuais como “aplicações financeiras no exterior”, seja ignorando o fato de que ativos financeiros tokenizados não podem ser considerados ativos virtuais, à luz do inciso IV do artigo 3º da Lei 14.478/2022, seja ignorando o fato de que, em regra, os criptoativos não estão no exterior, mas em redes de caráter transnacional, principalmente na rede Bitcoin e na Ethereum. 

Para tentar corrigir o equívoco, a Receita Federal, por meio do disposto no § 2º do inciso II do artigo 9º da Instrução 2180/2014, foi obrigada a esclarecer que apenas haverá hipótese tributável de ativo virtual no exterior, quando houver, basicamente, um contrato de natureza financeira entre residentes no Brasil e uma instituição ou agente sediado no exterior:

§ 2º Os ativos virtuais e arranjos financeiros com ativos virtuais serão considerados localizados no exterior, independentemente do local do emissor do ativo virtual e do arranjo financeiro com ativo virtual, quando forem custodiados ou negociados por instituições localizadas no exterior.

Dúvidas não há que a legislação tributária, uma vez considerado o princípio da legalidade, deve ser clara e não pode ignorar conceitos técnicos como o de criptoativo, ou ainda jurídicos como o de ativo virtual, sob pena de inconstitucionalidade, o que parece ser o caso, ao menos em relação à matéria relacionada com conceito de ativo virtual.

Logo, acredita-se que, em havendo discussão judicial, a inconstitucionalidade será um forte argumento em favor do contribuinte, visto que este não pode depender da “criatividade hermenêutica” de alguns advogados que pretendam consertar o trabalho não realizado de forma adequada pelo legislador.

De qualquer modo, uma vez considerado o disposto no § 2º do inciso II do artigo 9º da Instrução 2180/2014, o mercado DEFI ficou fora do escopo legal, visto que nele não há custódia ou negociação de ativos virtuais por parte de instituições localizadas no exterior ou mesmo no Brasil, dado  ser tudo operado por smart contracts, existentes apenas na esfera transnacional. 

Compreendido ainda que no mercado DEFI as operações com criptoativos podem ou não ser liquidadas em moedas fiduciárias, a depender da estratégia do empreendedor, bem como o fato de que podem ser realizadas de forma anônima, a depender dos recursos tecnológicos empregados, então podemos concluir que o mercado DEFI pode ser considerado como um novo tipo de jurisdição favorecida, que emerge da economia digital.

Fernando Lopes e Marcella Zorzo são fundadores do primeiro escritório jurídico do Brasil especializado em tokenização e DEFI, coautores do livro ” O Guia Jurídico da Tokenização”, dentre outros. 

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