Aspectos técnicos e jurídicos do uso do blockchain e dos Smart Contracts no setor imobiliário

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Tal consideração é importante, porque quando o assunto é blockchain vale a máxima:  quem controla a rede controla a blockchain

Qualquer pessoa que já tenha pesquisado algo sobre conceitos como blockchain, smartcontracts, ou até mesmo tokenização certamente se deparou com o mesmo discurso:  trata-se de tecnologias que prometem acabar com os intermediários, diminuindo drasticamente os custos de transação.

Diante das recentes inovações observadas no mercado imobiliário mediante gradativa adoção de novas tecnologias, a exemplo do Sistema de Governança e Registro (SGR) de Contratos e Documentos, que “possibilita o uso da blockchain e dos smart contracts no processo de registro e autenticação de documentos produzidos no âmbito das relações entre Corretores de Imóveis, imobiliárias e clientes, surgem várias questões de interesse para os participantes do mercado, dado o formalismo jurídico inerente à transmissão de direitos imobiliários.

Dentre essas questões a primeira é a seguinte: o uso da blockchain e dos smart contracts substitui os cartórios de registro de imóveis?

A resposta é negativa, uma vez que no direito brasileiro, por força do artigo 1227 “os direitos reais sobre imóveis constituídos ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos”

Ou seja, conquanto o poder judiciário possa reconhecer força constitutiva aos contratos não levados a registro, o que pode ser observado em inúmeras ações tanto cíveis quanto trabalhistas, o chamado efeito erga omnes apenas surge a partir do registro.

Em síntese, caso o comprador não leve o contrato a registro e tenha que defender seus interesses mediante embargos de terceiro, por exemplo, ainda que tenha êxito na ação, poderá ter que arcar com o ônus da sucumbência, dado não ter dado publicidade ao ato, conforme súmula 303 do Superior Tribunal de Justiça.

Da constatação da indispensabilidade do registro no cartório decorre outra questão: se a blockchain e os smart contracts não substituem o registro, qual a vantagem de utilizá-los no âmbito do mercado imobiliário?

Para responder essa questão precisamos adentrar em algumas elucidações de caráter técnico.

A primeira é compreender que não há como dissociar os conceitos de blockchain e de smart contracts do conceito de rede. Por exemplo, enquanto as transações relativas às transferências de criptomoedas como a ether ou a bitcoin são registradas em redes públicas, em geral, formadas por milhares de computadores distribuídos pelo mundo, o mesmo não ocorre no contexto de redes privadas, como a utilizada pelo COFECI bem como pelo Banco Central do Brasil no caso da DREX.

Tal consideração é importante, porque quando o assunto é blockchain vale a máxima:  quem controla a rede controla a blockchain.

Com efeito, a blockchain é meramente uma “superestrutura de dados”, composta por estruturas designadas como blocos, que por sua vez, são construídas e agrupadas em ordem numérica crescente, cada uma contendo suas próprias informações, bem como uma referência no formato de hash para as informações registradas na estrutura imediatamente anterior.

Logo, se é verdade que para alterar as informações constantes em um bloco eu preciso alterar as informações do bloco anterior, e assim por diante, também é verdade que se a blockchain estiver em uma rede formada por 10 computadores, quem controla esses 10 computadores, ou menos a depender do caso concreto, tem total poder sobre a blockchain.

Compreendida a diferença entre blockchain e rede, cabe agora entender o que são smart contracts. Smart contracts são uma espécie de programa de computador executado por cada um dos integrantes da rede de modo a tornar as operações ali programadas difíceis de não serem realizadas.

Por exemplo, em uma rede com 100 computadores, uma vez feita a inserção do smart contract na rede, tecnicamente chamada de deploy, o código será executado, ainda que 30 computadores da rede, por exemplo, parem de funcionar.

As operações mais conhecidas realizadas pelos smart contracts são a criação de tokens e regulação do respectivo processo de transferência deles entre os participantes da rede, de onde vem o nome tokenização.

Esses tokens, por sua vez, podem ser utilizados para representação de direitos, inclusive, imobiliários. Contudo, a questão é saber como se dá a vinculação física entre o token e os documentos comprobatórios do direito imobiliário, bem como a própria vinculação jurídica.

Tais questões dependerão das inúmeras possibilidades de estruturação de negócios, que deverão levar em conta tanto os aspectos técnicos quanto jurídicos. Portanto, ao se falar no uso de novas tecnológicas devemos sempre estar atentos aos detalhes de cada implementação, de modo a não termos surpresas indesejáveis.

Logo, antes da realização de qualquer empreendimento no setor, ou mesmo da aquisição de produtos oferecidos como tokenização imobiliária, convém estar respaldado na análise de especialistas capazes de analisar os aspectos tecnológicos da operação em suas relações aos ditames legais.

Fernando Lopes e Marcella Zorzo são criadores do primeiro escritório do país especializado em direito aplicado a processos de tokenização, coautores do livro “O Guia Jurídico da Tokenização”, colunistas da revista perfil sobre direito e tecnologia.

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