Tokenização de Igrejas no Brasil

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Desde a entrada em vigor do Código Civil, a determinação da natureza jurídica das igrejas nunca foi um assunto isento de polêmicas. Apenas a título exemplificativo, em 2003 o já falecido jurista Miguel Reale, considerado por muitos como “o pai do novo Código Civil”, escreveu um artigo para o jornal “O Estado de São Paulo”, de modo a se defender da acusação de ter reduzido as igrejas “a meras “associações civis”, sujeitas a mandamentos estatais”.

Com efeito, muito embora o artigo 19º da Constituição seja conhecido por determinar a separação entre o Estado e as igrejas, o fato é que estas existem no contexto do Estado, possuem membros e patrimônio, atraindo, portanto, a necessidade de regulamentação jurídica, segundo a máxima afirmada pelo jurista romano Ulpiano: “Ubi homo, ibi societas; ubi societas, ibi jus, ou seja, “Onde há homem, há sociedade; onde há sociedade, há Direito.

Porém, sendo o direito um fenômeno de natureza estatal, então como disciplinar as relações humanas no contexto das igrejas, sem que isso viole não apenas o referido artigo 19º, mas também o princípio da liberdade religiosa, pilar do Estado Democrático de Direito, protegida como cláusula pétrea, pelos incisos VI, VII e VIII do artigo 5º da Constituição?

A solução dogmática se dá por meio do estabelecimento do que o jurista alemão Robert Alexy chamaria de normas de competência, isto é: normas que concedem poderes discricionários para determinados entes, sem prévia especificação do seu conteúdo.

De acordo com nosso entendimento, exemplo desse tipo de norma foi a que alterou o artigo 44º do Código Civil, onde após a inserção das organizações religiosas como pessoas jurídicas de direito privado, determinou-se no parágrafo 1º que são livres a “criação, organização, estruturação interna e funcionamento” dessas organizações, que abrangem não só as igrejas protestantes e católicas (que no Brasil possuem o maior número de adeptos) mas qualquer organização independentemente de sua confissão. A inserção dessas modificações pela chamada “Lei da liberdade religiosa”, sancionada em 2003 pelo então Presidente Lula foi de fundamental importância para sacramentar a maior autonomia organizacional das igrejas em relação às meras associações.

E é justamente essa maior autonomia organizacional que nos faz pensar sobre como a tokenização poderia ser uma tecnologia capaz de gerar inúmeros benefícios para essas organizações e seus membros.

A Grosso modo, a tokenização pode ser compreendida como uma forma de representação e negociação de bens e direitos de um modo mais autônomo, transparente e eficiente do que ocorre em relação aos bens e direitos não tokenizados.

Tais características decorrem não apenas da possibilidade de automatizar o processo de negociação de bens e direitos com uso de smartcontracts, eliminando intermediários e, por conseguinte, custos de transação, mas também pelo fato de as transações serem registradas automaticamente em uma espécie de “livro contábil público de natureza distribuída”, conhecido como blockchain.

Em termos mais simples, uma vez realizada a tokenização, desde que de forma correta, então os membros poderão ter certeza não apenas de que os acordos serão cumpridos, mas também que ninguém poderá fraudar a real destinação dos recursos tokenizados, por exemplo.

Podemos citar ainda a facilidade de internacionalizar os processos organizacionais, o que pode ser de grande relevância para organizações com atuação não apenas no Brasil. Imagine, por exemplo, um caso em que um fiel realize uma doação para um missionário no exterior. Ao se realizar o processo de tokenização de forma correta, então todos poderão não só ter certeza de que os recursos foram devidamente utilizados, mas poderão ainda auditar todo o processo.

Conforme nós que atuamos com tokenização sabemos, a regra em nossa área é a seguinte: “ don’t trust, verify”, ou seja: não confie, verifique! Some-se a isso ainda inúmeras possibilidades de criação de programas de incentivo para que os membros se sintam mais pertencentes à organização, o que pode ser feito com o uso de NFTs, também usados para o fomento de atividades musicais e artísticas de modo geral, tão importantes para os frequentadores mais jovens.

Outra possibilidade é no âmbito da tokenização imobiliária. Muito embora as organizações tenham formas diversas de entender a gestão patrimonial, o fato é que a possibilidade de se distribuir patrimônio, inclusive relativo aos imóveis da igreja para os membros que contribuíram para sua aquisição, a exemplo de frações de aluguéis, pode ser um atrativo para o aumento das contribuições.

É claro que nem de longe pretendemos neste breve artigo esgotar as possibilidades que a tokenização passa a oferecer para as organizações religiosas. Nosso objetivo aqui é apenas o de apresentar essa tecnologia para um novo setor da sociedade, que poderá utilizá-la para realização de uma gestão mais ética, justa e eficiente dos seus recursos, beneficiando seus membros, além de otimizar e expandir seus projetos atuais, sem prejuízo da criação de iniciativas específicas, provenientes do uso correto dessa nova tecnologia disruptiva.

Talvez você tenha percebidos que sempre enfatizamos o uso correto da tokenização. Isso porque a tokenização de forma incorreta, sem a assessoria jurídica especializada poderá trazer mais problemas do que soluções.

Logo, antes de realizar qualquer processo de tokenização, sobretudo em se tratando de organizações religiosas, é de fundamental importância a contratação de advogados especializados no assunto, com conhecimentos não apenas do direito, mas também das tecnologias envolvidas.

Fernando Lopes e Marcella Zorzo são criadores do primeiro escritório jurídico do Brasil especializado em projetos de tokenização, sendo ainda autores doprimeiro livro específico sobre o assunto, intitulado “O Guia Jurídico da Tokenização, que recebeu em julho de 2024 selo best-seller e pode ser adquirido pelo site https://lopesezorzo.com/https://lopesezorzo.com

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