No último dia 16 de setembro, foi publicada a Lei nº. 14.973/2024, que recebeu grande atenção da mídia pelo fato de ter trazido regras de transição para a chamada “reoneração” da folha de pagamentos, programada para ocorrer, de forma progressiva, até o fim de 2027.
Ocorre que, além dessa alteração, a nova lei veiculou uma série de outras modificações na legislação tributária, às quais se deu destaque muito menor.
Dentre elas está uma importante previsão relacionada à tributação sobre o ganho de capital na venda de bens imóveis (arts. 6º ao 8º da lei).
Isso porque a lei abre uma janela de oportunidade para as pessoas físicas e jurídicas atualizarem o valor dos seus imóveis a valor de mercado, arcando, nessa atualização, com uma tributação significativamente menor do que a que incidiria se promovessem, neste momento, a alienação ou baixa desses bens.
Trazer esses bens a valor de mercado implica a perspectiva de os seus titulares experimentarem, no futuro, um impacto tributário muito menor do que o que sofreriam se os mantivessem, na declaração de ajuste anual, ou na contabilidade, pelos valores atuais.
Segundo a nova lei, para as pessoas físicas que promoverem essa atualização, a diferença entre o valor constante da última declaração e o valor de mercado será tributada, em caráter definitivo, à alíquota de 4%; já para as pessoas jurídicas que assim procederem, a diferença entre o custo de aquisição e o valor de mercado será tributada à razão total de 10%, sendo 6% relativos ao imposto de renda (IRPJ) e 4% relativos à contribuição social sobre o lucro (CSLL).
Ou seja, há, aí, a perspectiva de uma redução de cerca de 70% em relação à tributação ordinariamente aplicável à alienação de bens imóveis. Afinal, nas pessoas físicas, o ganho de capital (diferença entre o custo de aquisição e o valor de alienação) é tributado à razão de 15% a 22,5%; já nas pessoas jurídicas, como regra, ele é tributado à razão de aproximadamente 34% (sendo 25% do IRPJ e 9% da CSLL) sobre a diferença entre o valor de alienação e o valor contábil.
Naturalmente, a benesse não vem de graça. Há uma importante condição para o aproveitamento integral do benefício: o imóvel deve permanecer no patrimônio do declarante pelos próximos 15 anos, contados do momento em que se fizer a atualização. Se o imóvel for alienado antes desse prazo, o impacto positivo dessa atualização será total ou parcialmente perdido. Aliás, em alguns casos, promover a atualização pode resultar, no todo, numa tributação até pior do que a que seria aplicável mantidas as coisas como estão.
Por exemplo, caso a alienação do bem cujo valor tenha sido atualizado a valor de mercado ocorra em até 3 anos contados dessa atualização, a apuração do ganho de capital será feita considerando “… o custo do bem imóvel antes da atualização”. Ora, num caso assim, os tributos pagos agora, em razão da atualização, terão sido suportados a custo perdido. Afinal, a tributação paga agora será definitiva e, no futuro, a atualização não terá impacto algum na definição da base de cálculo do tributo.
Considerando os percentuais de aproveitamento da atualização a que a lei se refere, promover essa atualização só fará algum sentido se o titular do imóvel não tiver a intenção de aliená-lo antes de decorridos pelo menos cinco anos. Afinal, se assim proceder, ele aproveitará menos de 32% da diferença entre o valor original e o valor atualizado na apuração do seu ganho de capital e, portanto, perderá toda a vantagem concedida pela lei – que é de aproximadamente 70%, como mencionado.
E a tomada de decisão torna-se ainda mais difícil quando se leva em consideração a necessidade de sua compatibilização com outras regras do sistema tributário.
Por exemplo, a lei nº. 14.973/2014 não distingue as pessoas jurídicas segundo o regime tributário. Trata todas da mesma forma. Ocorre que as pessoas jurídicas optantes pelo Simples Nacional não se sujeitam às mesmas regras de tributação sobre o ganho de capital que as demais. Aplicam-se ao ganho de capital por elas auferido as mesmas alíquotas previstas para as pessoas físicas (Lei nº. 13.259/2016, art. 2º), entre 15% e 22,5%, contra os cerca de 34% aplicáveis às demais pessoas jurídicas. Isso deve reduzir significativamente o interesse de qualquer pessoa inscrita nesse regime a aderir à oportunidade de atualização concedida pela lei.
A seu turno, as vendas de bens imóveis rurais são geralmente tributadas em função da diferença entre o valor da terra nua (VTN) do ano de aquisição e o VTN do ano de alienação (art. 19 da Lei nº. 9.393/1996). Assim, para os titulares de imóveis rurais, a atualização do valor declarado ou do valor contábil do imóvel a montantes de mercado tende a ser completamente irrelevante para fins tributários.
Outro ponto a observar é que as pessoas físicas cujos imóveis têm data de aquisição mais antiga já contam com importantes fatores de redução do ganho de capital, como os previstos no art. 18 da Lei nº. 7.713/1988 e no art. 40 da chamada “Lei do Bem” (Lei nº. 11.196/2005). E há, no mínimo, severa dúvida a respeito da possiblidade de cumular a aplicação desses fatores de redução com os da nova lei. Mesmo que se possa cogitar de uma interpretação nesse sentido, não há previsão expressa que forneça segurança quanto a isso.
Além disso, há, ao que parece, uma incongruência na lei quando permite a atualização incentivada, a valor de mercado, do “… valor dos bens imóveis constantes no ativo permanente…” das pessoas jurídicas – isto é, permite a atualização do valor contábil desses bens – mas só permite tributar de forma incentivada “… a diferença [do valor de mercado] para o custo de aquisição…”. Ora, o ganho de capital das pessoas jurídicas não é calculado pela diferença entre o valor de alienação e o custo de aquisição, mas, sim, pela diferença entre o valor de alienação e o valor contábil (Lei nº. 8.981/1995, art. 32, §2º e Lei nº. 9.430/1996, arts. 25, §1º e 27). E o valor contábil, com grande frequência, não corresponde ao custo de aquisição, pois considera, por exemplo, a influência da depreciação, que geralmente não alcança terrenos, mas alcança edificações. Diante disso, a pergunta que fica é a seguinte: o que fazer com a diferença entre o custo de aquisição e o valor contábil? Não tributa? Tributa pelas regras gerais? Segue a mesma regra da lei nova, interpretando-se “custo de aquisição” com o sentido de “valor contábil”?
Finalmente, também não se deve perder de vista a possibilidade de, no futuro próximo, haver alterações na legislação tributária que maximizem ou minimizem os efeitos da escolha feita nesse momento. Essa dificuldade é inerente a praticamente todo planejamento tributário, mas, num período de reforma tributária, é também conveniente ficar de olho nas notícias.
Enfim, como dito, há uma janela de oportunidade, cujas dimensões, no entanto, são relativamente incertas.
Certa, mesmo, é a curtíssima extensão temporal dessa oportunidade, pois, segundo a lei, não apenas a opção por promover a atualização, como o pagamento dos tributos dela resultantes deverão ser feitos em até 90 dias contados da publicação da lei, ou seja, até 14/12/2024.
A Receita Federal deve regulamentar a questão, mas isso, ao que parece, não ocorreu até o momento.
Não há, portanto, muito tempo para o cálculo de custo-benefício, de modo que, quem considerar que se pode beneficiar da possibilidade franqueada pela lei deve apressar-se em promover essa análise.