Recentemente, o ex-jogador de futebol Ronaldinho Gaúcho e o empresário Eike Batista lançaram tokens no mercado, respectivamente o $STAR10 e o $EIKE.
Tivemos ainda o lançamento de tokens pelo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e por sua esposa, Melania Trump, bem como pelo Presidente da Argentina, Javier Milei.
Se isso já não fosse suficiente para alertar os empresários sobre a importância de estarem familiarizados com o mercado de criptoativos, a notícia de que os Estados Unidos passará a adquirir criptoativos como reserva estratégica e o próprio projeto brasileiro de tokenização da moeda, Drex, denotam um claro processo de redefinição da economia e do comércio eletrônico global.
Lamentavelmente, contudo, a falta de profissionais da área jurídica especializados em tokenização tem levado boa parte da imprensa a veicular notícias imprecisas e, em alguns casos, falsas sobre projetos de tokenização, o que pode contribuir para um atraso no desenvolvimento econômico e tecnológico do país.
Tendo em vista esse contexto, e de modo a contribuir para o esclarecimento dos aspectos jurídicos envolvidos nos projetos de tokenização, diferenciaremos o projeto $STAR10 do projeto $EIKE, dado serem paradigmas de dois modelos distintos de tokenização.
Antes de tecer comentários específicos sobre os projetos, é preciso entender o que é tokenização. Tokenização é o processo por meio do qual efeitos jurídicos são atribuídos à transferência de tokens.
Ou seja, é o processo que torna possível a negociação de bens, direitos ou valores por meio da transferência de tokens.
Tokens, por sua vez, são ativos de uso programável, criados por smart contracts, inseridos em redes como a Ethereum, que utilizam estruturas de dados como a blockchain.
Dado o fato de que redes como a Ethereum são consideradas transnacionais, com potencial de criar um comércio eletrônico global sem fronteiras, o sistema financeiro tem migrado gradativamente para o uso dessa tecnologia, definida no âmbito da legislação da União Europeia como uma tecnologia de registro distribuído.
Dito isso e compreendido que o direito é apenas criado por meio das fontes do direito, como o contrato, para que uma transferência de tokens produza efeitos jurídicos é preciso que exista um contrato determinando quais devem ser os efeitos jurídicos atribuíveis a uma transferência de tokens.
Ou seja, a análise jurídica deve sempre partir do contrato, e não da tecnologia envolvida, ainda que esta tenha relevância como o fato sobre o qual o direito é aplicado.
Uma vez compreendido o que é tokenização e como um projeto de tokenização deve ser analisado do ponto de vista jurídico, passamos a analisar o projeto $STAR10.
Embora não exista um documento específico no site do projeto chamado de contrato de tokenização, o que é recomendável para atribuir segurança jurídica ao empreendimento, podemos perceber claramente que o que é oferecido aos adquirentes do token é um conjunto de experiências relacionadas ao jogador.
Dentre essas experiências, enumera-se, entre outras, a participação em eventos privados promovidos pelo jogador.
De destaque para a análise jurídica é a advertência clara de que o token não deve ser adquirido com a expectativa de auferir renda passiva ou ativa.
Ou seja, o STAR10 não pode ser considerado um ativo virtual, de acordo com a legislação brasileira, enquadrando-se na hipótese do inciso III do artigo 3º da Lei 14.478/2022, na medida em que o token se trata claramente de um instrumento que provê apenas “ao seu titular acesso a produtos ou serviços especificados ou a benefício proveniente desses produtos ou serviços”.
Nesse caso, o token serve apenas como um comprovante digital relativo ao aceite do contrato. Sua posse comprova que o detentor do token realizou o pagamento pelo conjunto de serviços oferecidos.
Importante notar, enfim, que, salvo disposição contratual em contrário, a perda da chave privada nesse caso não significa a perda do direito, caso o adquirente consiga provar a compra de outra forma.
Portanto, não há que se falar nesse caso sequer da possibilidade de insider trading, conforme noticiado por alguns veículos da imprensa, visto que esse termo apenas é aplicado no contexto do mercado de valores mobiliários, que não se confunde com o mercado de criptoativos, embora possa haver intersecção entre os mercados em algumas hipóteses.
Uma das hipóteses de intersecção é justamente quando a oferta do token representa a oferta de um contrato de investimento coletivo, a teor do inciso IX do artigo 2º da Lei 6385/1976.
De acordo com esse inciso, um contrato de investimento coletivo é aquele que gera “direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advém do esforço do empreendedor ou de terceiros”.
Prima facie, a análise do whitepaper do $EIKE revela a promessa de direito de remuneração sobre investimento de risco, ou seja, a exploração da supercana, a ser realizada exclusivamente mediante esforço do empreendedor ou de terceiros.
Nessa situação, contrariamente ao que ocorre no caso do STAR10, o adquirente é incentivado a adquirir o token a fim de obter renda variável, conforme o sucesso do empreendimento de risco.
Já o fato de o disclaimer dizer o contrário, ou seja, que não haverá qualquer direito de participação no projeto, poderá ser interpretado como indício de fraude contra os consumidores.
Portanto, devemos ter cuidado ao analisar projetos de tokenização, dada a existência de inúmeras possibilidades de enquadramento jurídico.
FERNANDO LOPES e MARCELLA ZORZO são fundadores do primeiro escritório do Brasil com atuação especializada em tokenização e finanças descentralizadas, incluindo crimes financeiros no âmbito do mercado de criptoativos.
Atuam ainda como assessores jurídicos para órgãos da imprensa especializada.