CVM investiga Mercado Bitcoin por oferta irregular de valores mobiliários – Lopes e Zorzo já alertava para riscos criminais em 2023.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) emitiu um alerta ao mercado de capitais e ao público em geral “sobre a atuação da empresa Mercado Bitcoin Serviços Digitais Ltda., no âmbito da intermediação de contratos de investimento coletivo no mercado de valores mobiliários”(1)
“A Autarquia constatou que a empresa, por meio da página www.mercadobitcoin.com.br, oferta e atua na intermediação de oportunidades de investimentos em ativos digitais (tokens) lastreados em fluxos financeiros, oriundos de direitos creditórios, cedidos por Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC)”
A CVM apontou que esses tokens foram ofertados de forma irregular e, dos 32 ativos ainda não vencidos, 11 continuam disponíveis para negociação na plataforma.
Possíveis implicações criminais
A oferta pública de valores mobiliários sem registro na CVM pode ter consequências graves. De acordo com o inciso II do artigo 7º da Lei 7.492/86, é crime:
“Emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, títulos ou valores mobiliários” sem o devido registro junto à autoridade competente, sujeitando os responsáveis a pena de reclusão de 2 a 8 anos, além de multa.”
Ou seja, os envolvidos na estruturação e oferta desses tokens podem enfrentar processos criminais na Justiça Federal.
É importante ressaltar, no entanto, que os atos administrativos da CVM, embora tenham grande relevância, podem ser questionados judicial e administrativamente. Assim, eventuais infrações precisarão ser analisadas no devido processo legal.
O alerta do escritório Lopes e Zorzo em 2023
Essa situação já havia sido prevista pelo escritório Lopes e Zorzo, que em 2023 alertou o mercado sobre os riscos jurídicos da tokenização de ativos financeiros. Em artigo publicado no caderno jurídico do Jornal O Estado de São Paulo (2), o escritório, por meio de um de seus sócios, destacou que o mero uso de tokens para representar valores mobiliários não altera a natureza jurídica do ativo subjacente.
Isso significa que, se o ativo representado for um valor mobiliário, a emissão e negociação pública dos tokens exigem registro na CVM e conformidade com a regulação vigente.
Diante da máxima “same risks, same regulation”, a única possibilidade de defesa seria a descentralização efetiva do processo de negociação dos ativos, por meio da tecnologia de registro distribuído (DLT). Caso essa descentralização fosse comprovada, poderia haver um argumento para um regime regulatório mais flexível.
A abordagem equivocada do mercado
Infelizmente, à época, o mercado optou por “negociar com o regulador”, uma estratégia que se mostrou inadequada.
O problema dessa abordagem é que a CVM deve cumprir estritamente a legislação, sem possibilidade de flexibilização informal. Reguladores não podem adaptar a norma com base em conversas ou pressões de lobbies, pois isso poderia gerar responsabilidade pessoal para seus agentes.
A lição que fica para o mercado é clara: tanto reguladores quanto empresas devem simplesmente cumprir a lei.
- COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM). CVM alerta para atuação irregular do Mercado Bitcoin Serviços Digitais Ltda. na intermediação de contratos de investimento coletivo. 2025. Disponível em: https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/2025/cvm-alerta-para-atuacao-irregular-do-mercado-bitcoin-servicos-digitais-ltda-na-intermediacao-de-contratos-de-investimento-coletivo. Acesso em: 13 mar. 2025.
- LOPES, Fernando. Não basta tokenizar, é preciso descentralizar. Consultor Jurídico, 13 jul. 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-jul-13/fernando-lopes-nao-basta-tokenizar-preciso-descentralizar/. Acesso em: 13 mar. 2025.
Fernando Lopes é advogado, com especialização em direito penal e criminologia. Foi um dos fundadores do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico. Tem larga experiência na defesa de empresários acusados por crimes financeiros, inclusive, mediante uso de criptoativos, tendo atuado em grandes operações da Polícia Federal.
Marcella Zorzo é advogada, especialista em tokenização, coautora do livro “O Guia Jurídico da Tokenização, ao lado de Fernando Lopes, especializada na estruturação de negócios, tanto no Brasil quanto no exterior, incluindo uso da tokenização no agronegócio.
Ambos são fundadores do Lopes e Zorzo, primeiro escritório do Brasil especializado em tokenização e DEFI.
Escrevem para diversos órgãos da imprensa sobre matérias relacionadas à tokenização e finanças descentralizadas.