A discussão sobre tokenização imobiliária teve início no Brasil por volta de 2017.
Naquela época, a principal dúvida era: como garantir que transferências de tokens em redes distribuídas, baseadas em blockchain, pudessem efetivamente representar a transmissão de direitos oponíveis erga omnes?
Nesse contexto, a DataCurrency e o escritório Lopes e Zorzo desenvolveram, em 2019, uma metodologia inédita para estruturar juridicamente projetos de tokenização imobiliária, em 2024 foi publicado o livro Os Sete Passos para a Tokenização Imobiliária.
Essa metodologia alia a tecnologia blockchain à segurança jurídica do direito registral brasileiro.
Antes de apresentar os sete passos, é essencial compreender os três pilares que sustentam a metodologia:
- A tokenização é uma ferramenta, não um fim.
Ela não altera a natureza do direito, apenas facilita sua negociação. Portanto, deve estar em conformidade com o ordenamento jurídico vigente. - O objetivo da tokenização é a descentralização.
Isso significa substituir intermediários tradicionais, como bancos, por smart contracts autônomos na rede Ethereum. Quanto menos camadas intermediárias, menores os custos de transação. - É necessário distinguir o objeto do direito da relação jurídica.
O token representa o objeto (por exemplo, um imóvel), mas os direitos sobre ele (uso, gozo, fruição) só surgem a partir de um contrato válido que defina a relação jurídica.
Os Sete Passos para a Tokenização Imobiliária
- Escolha do Objeto da Relação Jurídica
Define-se o que será tokenizado — geralmente, um imóvel. Importante destacar que a propriedade não é o bem em si, mas o direito sobre ele. Trata-se de uma relação jurídica que confere poderes ao titular. - Criação de um Token Infungível (NFT)
Por se tratar de um bem único, o imóvel deve ser representado por um token único (NFT), criado por meio de um smart contract. Este token conterá nome, símbolo, ID e decimais, mas ainda não terá valor jurídico até o próximo passo. - Cláusula de Representação Jurídica
É necessário um ato jurídico expresso, como uma cláusula contratual, que vincule o token ao imóvel. Exemplo: o token “CasaVerde-001”, criado no endereço 0x123… na Ethereum, representa o imóvel da matrícula nº 4567 do Cartório X. - Criação de um Marketplace Smart Contract
Tokens são programáveis, mas precisam de uma estrutura de governança. Um marketplace smart contract (como o da DataCurrency) deve gerenciar regras de emissão, frações, pagamento e transferência automatizada de direitos. - Contrato Disciplinando a Negociação e Exercício dos Direitos
Um contrato detalha:- Quem pode exercer os direitos do token;
- Forma de pagamento;
- Responsabilidade tributária;
- Gestão do condomínio;
- Procedimentos em caso de perda da chave privada (usa-se um secret baseado em zero-knowledge proof, sem dados pessoais);
- Funcionamento do marketplace como protocolo operacional.
- Averbação no Cartório de Registro de Imóveis
O contrato físico deve ser registrado. Conforme o artigo 1.417 do Código Civil, o registro confere ao adquirente o direito real à aquisição, garantindo segurança jurídica e impedindo, por exemplo, a venda múltipla de um mesmo imóvel. - Inclusão dos Documentos Jurídicos como Metadados do NFT
Todos os contratos e documentos devem ser anexados ao NFT como metadados, assegurando transparência, rastreabilidade e auditabilidade pública.
Aplicação Prática: Tokenização do Compromisso de Compra e Venda
Imagine um imóvel de R$ 300 mil sendo dividido em 300 tokens de R$ 1.000 cada. Cada token confere ao comprador um direito real à aquisição, conforme contrato registrado. A negociação ocorre via marketplace smart contract, sem bancos ou cartórios para cada transação. Tudo é automático, transparente e seguro, com os direitos comprovados por transações criptograficamente assinadas.
A verdadeira Tokenização começa aqui. Tokenização não é apenas criar um token.
É criar uma estrutura jurídica e tecnológica que permita a negociação eficiente de direitos reais, com respaldo legal e redução de custos.
A metodologia dos Sete Passos, criada pela DataCurrency em 2019, mostra que isso é possível no Brasil, mesmo que ainda não haja projetos com tamanha solidez.
Se você deseja estruturar um projeto sério de tokenização imobiliária, comece pelos sete passos. E lembre-se: criar tokens não é tokenizar. Tokenizar é criar uma ponte segura entre o direito real e o ativo digital.
Sobre os Autores:
Fernando Lopes e Marcella Zorzo são advogados especialistas em tokenização e fundadores do primeiro escritório de advocacia do Brasil dedicado a tokenização e DeFi.
São coautores dos livros O Guia Jurídico da Tokenização e Os Sete Passos para a Tokenização Imobiliária. O escritório Lopes e Zorzo atua com foco na integração entre tokenização, finanças descentralizadas, inteligência artificial e IoT.