Por Fernando Lopes e Marcella Zorzo.
O avanço das finanças descentralizadas (DeFi) e a crescente adoção de stablecoins têm gerado discussões relevantes sobre os impactos tributários dessas novas formas de transacionar valores, especialmente quanto à incidência do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Entre os aspectos mais polêmicos está a possibilidade de estruturar operações que escapem à incidência do tributo, desde que certas condições técnicas e jurídicas sejam observadas.
A legislação brasileira impõe o IOF sobre operações de câmbio, crédito, seguro e títulos e valores mobiliários. Contudo, transações realizadas com stablecoins em redes descentralizadas, como a Ethereum, podem, em tese, não se enquadrar nesses conceitos tradicionais. Quando essas transações são impessoais, automatizadas e transnacionais — ou seja, quando não há partes juridicamente identificáveis e a liquidação não se dá via instituições financeiras sob regulação nacional — abre-se uma discussão legítima sobre a inaplicabilidade do IOF.
É evidente que tal possibilidade não implica em uma “zona livre de tributos”. Na prática, a qualificação jurídica de operações com stablecoins depende de uma análise meticulosa e interdisciplinar, que envolva tanto o conhecimento técnico das redes de registro distribuído (DLTs)quanto o domínio das normas tributárias e penais — em especial, a Lei nº 7.492/1986, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional.
Apenas profissionais com sólido conhecimentoem direito penal econômico e familiaridade com as tecnologias DeFi estão aptos a estruturar operações juridicamente sustentáveis. A tentativa de se valer dessas brechas sem o suporte jurídico adequado pode não apenas resultar em autuações fiscais, mas, sobretudo, em responsabilização criminal.
Apesar dos riscos, é inegável que o DeFioferece uma série de brechas legais que, se bem exploradas, podem ser legítimas e vantajosas para empresas inovadoras. O desafio para o Estado, portanto, é regular com precisão sem tolher o potencial disruptivo dessas tecnologias.
Em síntese, as stablecoins — quando utilizadas de forma impessoal, transnacional e fora do escopo das operações tipificadas como câmbio — podem, sim, levantar dúvidas quanto à exigibilidade do IOF. No entanto, diante da complexidade técnica e jurídica envolvida, qualquer iniciativa nesse sentido exige extrema cautela, sob pena de se incorrer em ilícitos civis, tributários e penais.
O DEFI pode ser considerado como um novo paraíso fiscal digital, de caráter transnacional, mas sua exploração pode não ser para qualquer um.
O DeFi — sistema financeiro descentralizado baseado em contratos inteligentes e protocolos blockchain — pode ser compreendido como uma nova forma de paraíso fiscal digital, de natureza transnacional. Ao prescindir de intermediários tradicionais e permitir transações diretas entre endereços pseudônimos espalhados globalmente, o DeFi cria um ambiente estruturalmente avesso à vigilância estatal e à aplicação imediata das normas tributárias convencionais.
Contudo, essa potencial “jurisdição digital paralela” não é acessível a qualquer um. A exploração legítima e segura dessas estruturas exige não apenas domínio técnico sobre o funcionamento das redes descentralizadas, mas também profundo conhecimento jurídico sobre o enquadramento normativo das operações financeiras — sob pena de se ultrapassar a tênue linha que separa a elisão da evasão fiscal, ou ainda incorrer em delitos previstos na Lei nº 7.492/86 e em outras normas penais e administrativas.
Assim, embora o DeFi ofereça oportunidades reais de planejamento fiscal e de proteção patrimonial, trata-se de uma fronteira sofisticada, onde a ausência de assessoria jurídica especializada pode transformar inovação em imprudência.
Fernando Lopes e Marcella Zorzo são fundadores do Lopes e Zorzo advocacia, escritório especializado em tokenização rwa e DeFi, com atuação também na área do direito penal econômico.
Fernando Lopes foi um dos fundadores do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico, em 2009, sendo autor de artigos publicados em veículos como a Revista da Procuradoria Geral do Banco Central e o IBCRIM.