
Com milhares de seguidores nas redes sociais, os influenciadores digitais assumiram o protagonismo na divulgação dos mais variados tipos de conteúdo nos últimos anos. Todavia, junto com a visibilidade e o alcance vem a responsabilidade jurídica por tudo o que é compartilhado. E se esse compromisso com a idoneidade da informação for negligenciado, o resultado pode implicar em sérias consequências criminais.
“A popularidade não serve de escudo contra a lei. A fama ou o número de seguidores não conferem imunidade. Por isso, a percepção de impunidade é uma ilusão perigosa. O influenciador está sujeito às mesmas normas penais como qualquer cidadão”, explica o advogado criminalista, Leonardo Fleischfresser.
Crimes virtuais, consequências reais
A lista de situações que podem acarretar em responsabilização criminal é extensa. Entre as mais comuns estão os crimes contra a honra como calúnia, injúria e difamação. Isso inclui desde acusações falsas até comentários ofensivos ou depreciativos a empresas e indivíduos. Dependendo da forma de divulgação, a pena pode ser agravada, conforme o artigo 141 do Código Penal, que trata da utilização de meios que ampliem a divulgação do delito.
Outro ponto sensível é a publicidade enganosa ou abusiva. Embora essa infração seja tratada principalmente na esfera cível e administrativa, Fleischfresser alerta que ela pode evoluir para o campo criminal. “Se um influenciador promove conscientemente um produto falso ou fraudulento, ele pode responder pelo crime correspondente à prática, que dependerá do que é divulgado”, esclarece.
A promoção de atividades ilegais – como jogos de azar não regulamentados – também é uma armadilha comum e já acarretou em prisões de quem “ensinava” métodos para ficar milionários rapidamente. Da mesma forma, influenciadores já foram detidos por se envolverem nos mais variados tipos de crimes que vão do* tráfico de drogas ao sequestro*.
Lavagem de dinheiro e fake news
Outro exemplo recente é o caso dos influenciadores presos na operação JackPot, da Polícia Civil de Minas Gerais. Após receberem grandes valores de uma empresa investigada por crimes financeiros e utilizar os recursos para promover jogos ilegais, eles foram acusados de participação em esquema de lavagem de dinheiro.
“A lei é clara: não existe lavagem culposa. O influenciador precisa ter plena ciência de que está recebendo dinheiro ilícito para dissimular sua origem. Se essa intenção ficar comprovada, ele pode ser condenado com pena de três a dez anos de reclusão”, diz o advogado, que é mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Portugal).
Já no campo das fake News, a responsabilização depende do contexto. “Embora o Brasil ainda não tenha um tipo penal específico para esse desdobramento, divulgar informações sabidamente falsas pode configurar outros crimes como calúnia, crimes contra o consumidor ou economia popular, e estelionato”.
Neste caso, não se trata de cercear a liberdade de expressão. “A lei protege a crítica responsável, mas não o discurso de ódio, a mentira deliberada ou a difamação. E mesmo quando não há vínculo contratual, quem se sente lesado por um influenciador – pessoa ou empresa – pode recorrer à justiça”, afirma Fleischfresser.
Empresas também podem ser responsabilizadas
A escolha de influenciadores para promover marcas e produtos exige cautela. Na esfera cível, a culpa por publicidade enganosa é, em regra, solidária. Por isso, tanto quem contrata quanto quem divulga podem ser penalizados.
“Se a empresa contrata um influenciador problemático ou permite que ele divulgue conteúdos ilícitos sem supervisão, ela pode ser responsabilizada por culpa na escolha (culpa in elegendo) ou por falha na fiscalização (culpa in vigilando)”, detalha Fleischfresser.
Na esfera administrativa, órgãos como o PROCON e o CONAR podem aplicar sanções por publicidade irregular. Já na esfera penal, a responsabilização da empresa é restrita à crimes ambientais, mas gestores podem ser responsabilizados se comprovada sua participação consciente, em crimes cometidos pelo influenciador e a mando da empresa.
Para evitar riscos, é essencial que as empresas adotem algumas medidas preventivas:
-Verificar a reputação do influenciador,
-Analisar a qualidade do público e do conteúdo,
-Estabelecer um contrato claro e completo, com cláusulas de responsabilidade e aprovação prévia das publicações,
-Exigir garantia de conformidade com as normas do CONAR e a legislação vigente.
“Além disso, é imprescindível fornecer um briefing preciso e acompanhar constantemente a execução da campanha, especialmente quando envolvem temas sensíveis como finanças, saúde ou apostas, pois a responsabilização criminal dos influenciadores digitais é uma realidade crescente”, ressalta o advogado criminalista Leonardo Fleischfresser.
Sobre o especialista Leonardo Fleischfresser
Leonardo Fleischfresser é advogado criminalista, professor universitário e mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Portugal).
Também é Membro Pesquisador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e Membro Relator da Comissão da Advocacia Criminal da OAB/PR.