segunda-feira, junho 30, 2025

Bebeu, dirigiu, matou… foi sem querer?

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Por Edgar Santana – Delegado de Polícia e especialista em Segurança Pública

No Brasil, ainda convivemos com uma distorção inaceitável na legislação quando se trata de mortes no trânsito causadas por motoristas embriagados.

Mesmo quando o resultado é fatal, muitos desses casos são enquadrados como homicídio culposo, ou seja, como se o motorista não tivesse assumido o risco de causar a morte. A lei entende que foi um simples descuido e, por isso, a pena varia de cinco a oito anos de prisão, sem julgamento pelo Tribunal do Júri (art. 302, §3º, do Código de Trânsito Brasileiro – CTB). É como se fosse apenas uma desatenção no trânsito que acabou em tragédia. Mas será mesmo que é só isso?

A verdade é que não estamos falando de um erro qualquer. Estamos falando de uma escolha. Quem consome álcool e, mesmo assim, pega no volante sabe que está colocando em risco a própria vida e a vida de todos ao redor. Sabe que o álcool afeta os reflexos, tira a atenção, prejudica a reação e compromete totalmente a direção segura de um veículo. Mesmo assim, insiste em dirigir.

E é justamente por isso que esse tipo de caso não pode mais ser tratado como se fosse apenas um descuido. No Direito, existe um conceito muito claro para isso: o dolo eventual. Quando a pessoa tem consciência de que pode causar uma tragédia, mas escolhe seguir em frente (mesmo embriagada), ela está assumindo o risco do resultado. E, quando esse resultado é a morte, o condutor deveria responder por homicídio com dolo eventual, nos termos do art. 121 do Código Penal, cuja pena pode chegar a até 30 anos de prisão e julgamento pelo Tribunal do Júri.

Mas, infelizmente, não é isso que ocorre na prática. Milhares de vidas são perdidas todos os anos no Brasil por causa da combinação irresponsável entre álcool e direção. Ainda assim, a lei continua falhando, pois não faz o enquadramento legal que a gravidade da situação exige, permitindo que o infrator não seja efetivamente punido como deveria e impedindo que a punição sirva de exemplo para evitar que outros cometam o mesmo tipo de comportamento.

Não dá mais para aceitar que motoristas embriagados que tiram vidas sejam tratados como se tivessem cometido apenas uma imprudência qualquer.

Enquanto isso não mudar, seguiremos contando corpos, destruindo famílias e fortalecendo a cultura da impunidade no trânsito brasileiro.

A pergunta que fica é: quantas mortes ainda precisarão acontecer para que nossa legislação passe a reconhecer o óbvio?

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