Maria Lúcia de Almeida Gomes, hoje com 65 anos, conviveu com dores, deformidades ósseas e perda dentária precoce desde a infância, sem saber a causa. Por anos, seus sintomas foram minimizados, e a busca por um diagnóstico preciso se tornou uma jornada exaustiva.
A saga começou aos dois anos, com o início de cirurgias para corrigir o arqueamento das pernas. Ao todo, foram 12 procedimentos até os 15 anos, mas os resultados eram sempre temporários. “Conforme eu crescia, minhas pernas voltavam a entortar. E com isso vinham dores nas coxas e nos pés”, relembra Maria Lúcia.
A partir da adolescência, a situação se agravou com a perda dos dentes e o deslocamento frequente da mandíbula. Analgésicos e anti-inflamatórios se tornaram companheiros constantes para aliviar a dor e o desconforto.
“Imagina, aos 15 anos, já com dentes faltando, enfrentando preconceito e sem nenhuma explicação”, desabafa Maria Lúcia, que mora em Candeias (PE). “Cheguei a tomar mais de dez comprimidos por dia. Às vezes era só pra aguentar a dor. E com isso, acabava sobrecarregando os rins”.
Apesar do sofrimento, o diagnóstico demorou a chegar. Durante décadas, nenhuma hipótese foi levantada. “Nunca cheguei a receber um diagnóstico errado. Ninguém sabia o que eu tinha e diziam que era normal os ossos entortarem”, lamenta.
Foi somente aos 58 anos, já aposentada, que Maria Lúcia encontrou uma endocrinologista disposta a investigar seu caso a fundo. Após uma extensa bateria de exames, veio a confirmação: raquitismo hipofosfatêmico ligado ao cromossomo X (XLH).
A doença, causada por uma mutação genética, leva à perda de fósforo pela urina e à deficiência de vitamina D ativa, prejudicando a formação dos ossos. “Não sabia o que era qualidade de vida. Não sabia o que era chegar em um lugar e não sentir dor”, afirma.
Com o tratamento adequado, à base do medicamento burosumabe, Maria Lúcia experimentou uma transformação em sua vida. A mobilidade foi restaurada, a dor diminuiu e a autonomia foi reconquistada.
“Foi como voltar a ter dignidade após 58 anos”, relata emocionada. “Uma noite de sono tranquila, pra mim, era algo impossível. Antes da medicação, era uma agonia, um mal-estar constante. A dor nas costelas era como se eu estivesse sendo espremida por dentro”.
No entanto, o acesso à medicação ainda enfrenta obstáculos. Maria Lúcia depende de uma decisão judicial e do apoio do Instituto Amor e Carinho para garantir o tratamento. A cada interrupção no fornecimento, os sintomas retornam rapidamente.
“É como voltar à estaca zero. Não consigo fazer tarefas simples, nem tomar banho sozinha”, desabafa. A nefrologista pediátrica Maria Helena Vaisbich, da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), alerta que o diagnóstico precoce é fundamental.
“É uma doença que precisa ser conhecida por pediatras, ortopedistas, nefrologistas e endocrinologistas. O diagnóstico é clínico, com exames laboratoriais e radiografias, mas só se chega lá se houver suspeita”, explica a especialista.
Atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece o burosumabe apenas para crianças e adolescentes. Adultos diagnosticados, como Maria Lúcia, precisam recorrer à Justiça para ter acesso ao tratamento.
“A doença não para na infância. No adulto, as dores só se acentuam, o risco de fraturas e complicações aumenta”, alerta a médica. “Já temos dados mostrando que essa medicação melhora significativamente a qualidade de vida. Não faz sentido que parte dos pacientes ainda esteja excluída do acesso”.
Hoje, aos 65 anos, Maria Lúcia compartilha sua história com o objetivo de conscientizar e alertar outras pessoas. “Se eu tivesse recebido o diagnóstico lá atrás, minha história teria sido outra. Por isso, quero servir de alerta para outras pessoas. Dores crônicas e deformidades não devem ser normalizadas. É difícil, mas é possível buscar um diagnóstico e ter mais qualidade de vida”, conclui.
Fonte: http://www.metropoles.com