Como a arte autoral pode reconectar adultos e crianças em meio ao bombardeio de imagens digitais e inteligência artificial.
Em um cenário cada vez mais dominado por estímulos artificiais, o excesso de tempo diante das telas tem se mostrado um fator preocupante para o desenvolvimento emocional e cognitivo das crianças. Um estudo da Koi Tū: The Centre for Informed Futures, aponta que o uso recreativo excessivo de telas pode comprometer aspectos fundamentais como criatividade, empatia e habilidades sociais na infância. Essa saturação digital tem levado educadores e artistas a buscarem soluções mais sensíveis e autênticas para reconectar crianças ao universo lúdico e afetivo, entre elas, a ilustração infantil feita à mão.
É nesse contexto que o trabalho do ilustrador, cartunista e professor Guilherme Bevilaqua, conhecido como Professor Laqua, ganha destaque. Com mais de 27 anos de experiência, Laqua é referência nacional em ilustração infantil. “A ilustração é mais que estética. Ela é ponte, é afeto, ela . O que tocava você em um livro de infância era a imagem que te olhava de volta”, afirma.
A crescente presença da inteligência artificial na produção de imagens tem levantado debates no campo das artes visuais. Enquanto plataformas automatizadas geram figuras tecnicamente perfeitas em segundos, falta-lhes alma, intenção e olhar humano. Para Laqua, esse é o diferencial da ilustração autoral: “Desenhar é sentir. Uma máquina pode copiar estilos, mas nunca vai viver as emoções que movem o traço de quem está contando uma história com o lápis. A arte manual carrega o tempo, a hesitação, o gesto. É por isso que toca”.
Além da expressividade artística, a ilustração infantil também tem papel fundamental no desenvolvimento cognitivo e emocional de crianças. Imagens bem construídas favorecem a alfabetização visual, estimulam a empatia, tiram crianças das telas e ajudam no enfrentamento de temas sensíveis, como luto ou medo. Ele explica que ilustrar para o público infantil exige mais do que técnica: requer escuta e afeto. “O ilustrador precisa ser alguém que ainda conversa com a criança que foi. É ela que guia a mão. Só assim a imagem encontra a verdade”.
O movimento por uma arte mais consciente e autoral tem ganhado força entre ilustradores que buscam se afastar da padronização imposta pelas redes sociais e pela produção automatizada. A busca por autenticidade visual, por personagens com identidade e por narrativas afetivas tem levado muitos artistas a revisitar técnicas tradicionais e a investir em processos mais profundos de criação. Em vez de reproduzir tendências visuais efêmeras, cresce o interesse por desenvolver um traço próprio, uma voz gráfica singular que reflita verdadeiramente a sensibilidade
do artista.
Dentro desse contexto, encontros presenciais e vivências práticas têm se mostrado fundamentais. Oficinas que promovem o contato direto com materiais físicos, como papel, grafite e aquarela, e que incentivam o desenho de observação e a troca entre pares, têm sido valorizadas como espaços de resgate artístico. “É bonito ver que muita gente está cansada da superficialidade e quer mergulhar. Esses encontros são sobre isso: mergulho. Papel de verdade, tinta de verdade, presença de verdade”, observa o ilustrador, ressaltando a importância de desacelerar para reencontrar a essência da ilustração.
A ilustração, portanto, não é apenas uma profissão ou um recurso estético. É uma linguagem potente, capaz de reencantar olhares, reconectar gerações e resistir à velocidade do mundo. Em tempos de imagens demais e sentimentos de menos, desenhar com propósito talvez seja um dos atos mais revolucionários.