“Achei que a Argentina estava barata, mas está cara igual ao Brasil”, disse o mineiro João Gabriel Colares, enquanto tomava um café no famoso café London, no centro de Buenos Aires, na quinta-feira (21). “Para você ter uma ideia, fui almoçar com uns colegas e paguei R$ 210 em três hambúrgueres. Acabou com o meu dinheiro”, gargalhou o rapaz de 27 anos que visitou a capital argentina pela primeira vez.
O café London fica na rua Florida, de comércio popular, que reúne brasileiros que viajam para a cidade em buscas de lojas, restaurantes e outros estabelecimentos típicos argentinos.
Ali é comum encontrar vendedores de passeios turísticos que se arriscam no “portunhol” — uma mistura de português e espanhol — para agradar o cliente do país vizinho. É o caso de Carlos Barra, que trabalha em uma empresa de turismo e é responsável por abordar os futuros clientes.
Diminuiu muito a venda de passeios turísticos, principalmente para os brasileiros. Esse foi o pior verão, tirando a pandemia.
Carlos Barra, que trabalha há oito anos no ramo
Um show de tango que as agências vendem hoje por, no mínimo, R$ 315 reais, custava metade do preço em novembro.
Um prato de bife de chorizo em um restaurante mais sofisticado, que antes custava o equivalente a 50 reais, hoje pode chegar ao triplo do preço.
Desde o fim do ano passado, agências de turismo receptivo com foco no turista brasileiro viram suas vendas caírem — o que não acontecia havia alguns anos. Foi na mesma época em que Javier Milei tomou posse na presidência.
Barra acredita que a queda na procura de turistas tem relação com a situação política e econômica do país. No entanto, o vendedor diz estar convicto de que a situação vai melhorar. “Serão meses difíceis, mas logo logo vamos estabilizar”, diz ele — em discurso semelhante ao do presidente.
Era muito comum os brasileiros se sentirem seduzidos pela ideia de que na Argentina eles eram “ricos”, tamanho o poder de compra, que se acentuou no fim de 2022.
‘Ano de ouro’
Em sua agência de turismo receptivo no centro de Buenos Aires, a brasileira Clei Furtado mostra os espaços vazios na agenda nos primeiros meses de 2024.
Com exceção da pandemia, é a primeira vez que a minha agenda neste período não ficou lotada. Tivemos uma queda de 40% nas vendas. Antes eu não precisava fazer promoção, hoje já é essencial e mesmo assim a agenda não encheu.
Clei Furtado, dona de agência de turismo receptivo
O ano de 2023 foi considerado de “ouro” para o turismo na Argentina, que atraiu estrangeiros graças ao peso desvalorizado em relação ao real e ao dólar e ao preço de produtos e serviços que eram regulados pelo governo do ex-presidente peronista Alberto Fernández. De acordo com dados do antigo Ministério do Turismo (Milei o transformou em secretaria), a Argentina recebeu mais de 7 milhões de turistas de outros países no ano passado — sendo 2,5 milhões em Buenos Aires —, dos quais 20% eram brasileiros.
O vinho compensa?
Além do baixo custo da capital portenha, muitos turistas do Brasil diziam que escolhiam o país vizinho por causa da qualidade da carne, dos vinhos, e por ser uma cidade segura, de fácil mobilidade. Outro fator importante é a proximidade e os voos diretos saindo de capitais que fogem do eixo Rio-São Paulo.
“A cidade é linda, tem uma arquitetura maravilhosa, mas não está tão barata quanto eu pensei. Está quase igual ao Brasil”, disse Aldemir Araújo, que chegou na semana passada em sua primeira viagem a Buenos Aires. “O vinho pelo menos tem que compensar”, brincou o paulistano.
“A cidade é linda e superssegura, mas está carinha, principalmente comida e roupas. Sem condições de comprar roupas aqui” , afirmou a servidora pública Cintia Wiler, ao lado do marido e mais 2 amigos, na quinta passada. Ela já tinha visitado Buenos Aires em outras oportunidades.
O aumento do preço dos vinhos, mais baratos em relação ao Brasil, impressionou o turista de Brasília Julio Cesar Amorim. “Ha um ano, eu paguei 1.500 pesos [R$ 15, no câmbio da época]. Agora está a 8 mil pesos [cerca de R$ 40]. Só espero que a Argentina não dolarize, porque se isso acontecer, vai ficar bem mais cara”, projeta Amorim. Milei já propôs a dolarização como uma das medidas para estabilizar a economia.
Clientes receosos
Essa “nova Argentina ” tem impactado a percepção de brasileiros que pretendiam visitar o país. Essa é a avaliação de Stephanie Carvalho, proprietária de agência de turismo, que mora na capital portenha há dez anos.
“Tenho percebido que com o novo governo e com as notícias de greve, preços aumentando, restrições aos estrangeiros no aeroporto, tem deixado os clientes receosos. Desde novembro, tenho visto uma baixa na procura e pessoas com medo de vir a Argentina”, afirmou.
Também empresária de agência de turismo, Laisa Thelma diz que tem receio que haja dolarização e que isso deixe o país menos atraente para os brasileiros. “Tivemos uma queda de 25% na procura nos últimos meses”, afirma. “Os passageiros têm buscado informações sobre o clima político na Argentina.”
As empresárias lembram que um dos serviços que mais tiveram impactos pelas medidas econômicas de Milei foram os passeios para fora da capital Buenos Aires — os combustíveis aumentaram 30% nos primeiros meses de 2024, o que encarece o transporte.
Para a empresária Clei Furtado, se a Argentina ficar muito cara para o turista brasileiro, a saída será se reinventar e focar em outro perfil de cliente. “Sim, está mais caro, mas ainda segue sendo muito vantajoso viajar para Buenos Aires, a nossa Europa da América Latina”, insiste.