10 mudanças propostas pelo anteprojeto do Código Civil que impactam o direito das famílias e sucessões

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Motivada pelas novas configurações familiares, a proposta prevê mudanças em diversas áreas, modernizando o Código Civil

Advogada especialista em Direito de Família da Assis Gonçalves, Kloss Neto e Advogados Associados, Eloise Caruso Bertol

Em fevereiro de 2024, a comissão de juristas encarregada pela reforma do Código Civil apresentou, ao Senado, a proposta de uma nova redação para determinados dispositivos do ordenamento jurídico, que impactam o Direito em relação às famílias. O grupo, composto por 38 juristas, concluiu a votação sobre as propostas ainda na primeira semana de abril, após longos debates, e apresentou o anteprojeto ao Senado nos dias subsequentes.

Segundo a advogada especialista em Direito de Família da Assis Gonçalves, Kloss Neto e Advogados Associados, Eloise Caruso Bertol, à medida que as famílias se modernizam, o Direito deve acompanhar essa evolução, promovendo atualizações, como as propostas pelo novo Código Civil. “A atualização do Código Civil e legislações correlatas está sendo motivada pelo reconhecimento da pluralidade na constituição das famílias. Hoje, vemos uma variedade de arranjos familiares que já havia sido acolhida pela doutrina e pela jurisprudência, mas não encontrava respaldo de forma expressa na legislação civilista. Essa diversidade reflete a realidade da sociedade contemporânea, na qual as organizações familiares, baseadas na afetividade, devem ser devidamente amparadas”.

Eloise destaca a importância das mudanças no Código Civil atual, salientando que, apesar de ter entrado em vigor a partir de 2002, o projeto que o elaborou remonta à década de 70. Destarte, menciona a incorporação, ao anteprojeto, das novidades trazidas pelo direito digital, que ganha um capítulo totalmente inédito e específico sobre o tema. No que diz respeito ao escopo das sucessões, há a inclusão da chamada “herança digital”, tópico que é fruto do avanço tecnológico e representa desafios na contemporaneidade, ante a ausência de respaldo no ordenamento jurídico.

Uma das atualizações propostas, que acabou sendo rejeitada, diz respeito à terminologia “Direito da Família”. Inicialmente, propôs-se a alteração para “Direito das Famílias”, visando a traduzir a mudança na abordagem do Direito em relação ao tema. “Anteriormente, fala-se em “Direito de Família”, no singular, expressão que se mostrou insuficiente para descrever a complexidade das relações familiares contemporâneas. Diante dessa necessidade de atualização, surge, na doutrina, o termo “Direito das Famílias”, no plural, modificação que, no entendimento jurídico, faz grande diferença, vez que destaca a pluralidade de arranjos familiares e a necessidade de uma abordagem mais abrangente e inclusiva. Esse exemplo é apenas um dos muitos que demonstram as mudanças e tendências trazidas pelas decisões judiciais recentes e pela revisão proposta pelo novo Código Civil”, afirma a advogada. Todavia, a comissão de juristas optou por manter o título como “Direito de Família” no anteprojeto.

Principais mudanças propostas pelo novo Código Civil

1 – Ampliação do conceito de família

O conceito de família do anteprojeto passou a prever os vínculos não conjugais, chamados de parentais, para garantir a reciprocidade de deveres entre grupos que possuem a relação baseada no afeto, para além da consanguinidade. É o caso, por exemplo, das famílias anaparentais, monoparentais e multiparentais, ou mesmo aquelas formadas por vínculos socioafetivos.

2 – União estável como estado civil

A proposta prevê a ampliação da regulação sobre a união estável, que sequer possuía uma classificação de estado civil para as pessoas que vivem sob esse regime conjugal. A ideia é que as omissões sejam supridas e quem opte por viver em união estável passe a ser reconhecido como “convivente”, o que trará maior segurança jurídica nas relações negociais e empresariais. O anteprojeto também prevê a alteração do regime de bens de forma mais célere em cartório, não precisando de autorização judicial prévia, tanto para casamento, quanto para união estável, como ocorre na legislação atual.

3 – Casamento ou união entre pessoas do mesmo sexo

O casamento ou união entre pessoas do mesmo sexo já é reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, desde 2011. Agora, a proposta pretende regulamentar o vínculo conjugal de forma mais abrangente, trazendo-lhe maior segurança jurídica. Um dos maiores avanços da reforma foi justamente a retirada da expressão “homem e mulher” e substituição por “duas pessoas”, para garantir a concessão dos direitos de família, independentemente de gênero e orientação sexual.

4 – Divórcio unilateral ou em positivo

Apesar da jurisprudência atual, o divórcio em caráter liminar ainda depende da ação judicial com demonstração de urgência. Já o projeto do novo Código Civil admite essa possibilidade independentemente da demonstração de urgência, mediante simples notificação do outro cônjuge. Além disso, permite o divórcio extrajudicial mesmo no caso de filhos menores, evitando ações judiciais meramente homologatórias da vontade das partes e incentivando a utilização dos cartórios.

5 – Mudança no reconhecimento oficial da paternidade

Atualmente, quando o pai não reconhece o filho no registro de nascimento, o cartório inicia um procedimento para investigação da paternidade com a participação do Ministério Público e do juiz. A mudança proposta é que, caso o pai não reconheça o filho no momento do registro de nascimento, o suposto pai indicado pela mãe seja notificado diretamente pelo cartório para realizar o exame de DNA. Se não comparecer ou se recusar a realizar o DNA, será registrado como o pai da criança. Destaca-se, ainda, a maior facilidade no reconhecimento da paternidade socieoafetiva com o novo texto previsto para o Código Civil.

6 – Alimentos gravídicos

O anteprojeto também acrescenta ao Código Civil o direito da gestante aos alimentos gravídicos, ou seja, ao recebimento de pensão alimentícia do suposto pai para pagamento das despesas da gestação. A proposta deixa claro que os alimentos são devidos desde o início da gravidez, mesmo que a gestante demore para ajuizar a ação.

7 – Reprodução assistida

Essa matéria é regulamentada, hoje, pelo Conselho Federal de Medicina e pelo Conselho Nacional de Justiça por meios administrativos, o que traz insegurança jurídica e torna necessário o ajuizamento de ações para efetivação dos direitos. O projeto prevê a inserção no Código Civil das normas relativas à reprodução assistida, o que permitirá que o Oficial de Registro Civil realize o registro de nascimento da criança em nome dos autores do projeto parental. Dentre as principais mudanças, está a vedação de comercialização de material ou mesmo da “barriga de aluguel”, que passa a ser autorizada de forma mais ampla, mas ainda com regramento específico. Ainda, permitiu-se o uso de material genético para reprodução post mortem, desde que expressamente autorizado em registro público e com direito à herança, se realizada em até cinco anos após a morte.

8 – Exclusão de cônjuges do rol de herdeiros necessários

Na legislação atual, os herdeiros necessários são os descendentes, os ascendentes e os cônjuges, mas com a aprovação do anteprojeto, os últimos podem ser excluídos desta lista. A depender do regime de bens, o cônjuge ou companheiro pode ter direito à meação, além de poder constar no testamento do parceiro conjugal. Todavia, com a exclusão do rol de herdeiros necessários, passa-se a vislumbrar maior autonomia na disposição sobre o planejamento sucessório, no que diz respeito à parte disponível da herança. Além disso, o anteprojeto revoga a previsão de reserva de um quarto da herança de bens particulares pelo cônjuge ou companheiro.

9 – Direito dos animais

Os animais são tratados no Código Civil atual como coisas, equiparando-se a propriedades. A proposta dedica novos dispositivos aos direitos dos animais, passando a ter sua natureza jurídica como seres sencientes, com capacidade de sentir e com direito à dignidade. Dessa forma, o texto inclui o vínculo afetivo entre pessoas e animais, o qual caracteriza a chamada “família multiespécie”, que prevê direitos e deveres compartilhados entre os tutores.

10 – Herança digital

Por fim, foi aprovado o direito à “herança digital”, isto é, a sucessão dos bens digitais que possuem valor economicamente apreciável. Entra nessa categoria o patrimônio intangível do falecido, abrangendo, entre outros, senhas, dados financeiros, perfis de redes sociais, contas, arquivos de conversas, vídeos e fotos, arquivos de outra natureza, pontuação em programas de recompensa ou incentivo e qualquer conteúdo de natureza econômica, armazenado ou acumulado em ambiente virtual, de titularidade do autor da herança. Por outro lado, o sigilo das comunicações online deve ser mantido, salvo vontade expressa do falecido ou sentença judicial.

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