O DESAFIO DA DESCENTRALIZAÇÃO E A REGULAÇÃO FINANCEIRA EM TRANSFORMAÇÃO
A tokenização tem ganhado destaque como uma forma de representar digitalmente bens e direitos, mas a mera aplicação dessa tecnologia não garante avanços regulatórios. Um ofício emitido em 5 de julho de 2023 pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) trouxe à tona questões fundamentais sobre o impacto da tokenização no mercado financeiro e a necessidade de avaliar sua efetiva descentralização. Mais do que uma solução tecnológica, a tokenização exige clareza regulatória e prova de eficiência para se posicionar como uma ferramenta realmente transformadora.
Tokenização: Representação Digital e Regulação Inalterada
Segundo o ofício da CVM, a tokenização não altera a essência jurídica ou econômica dos direitos representados, nem flexibiliza as normas vigentes. O documento equipara a tokenização de certificados de recebíveis à de contratos de cessão, afirmando que ambos continuam a depender de instrumentos jurídicos tradicionais. Assim, a tecnologia, por si só, não modifica a necessidade de conformidade regulatória.
Esse entendimento reflete o princípio aplicado pelo Bank for International Settlements (BIS): same risks, same regulation (mesmos riscos, mesma regulação). A lógica é que serviços financeiros que envolvem riscos semelhantes, sejam oferecidos por bancos ou plataformas descentralizadas, devem estar sujeitos a marcos regulatórios equivalentes.
O Potencial da Descentralização e os Protocolos DeFi
Embora a tokenização não elimine automaticamente os riscos regulatórios, protocolos de finanças descentralizadas (DeFi) podem provocar uma ruptura no modelo tradicional de intermediação financeira. Ao remover a figura do custodiante e automatizar operações por meio de smart contracts, esses protocolos oferecem a possibilidade de transações seguras, diretas e transparentes. Exemplos como o Compound Finance demonstram essa automação, onde o gerenciamento do risco de crédito é conduzido por programas auditáveis, como o Comptroller.
Entretanto, surge uma questão crucial: até que ponto esses sistemas são realmente descentralizados. De acordo com a advogada Carolina Veas, apenas serviços parcialmente descentralizados estão sujeitos à regulação sob o marco MiCA, na União Europeia. Aqueles que operam sem qualquer intermediário ficam fora do escopo regulatório.
A Dificuldade de Mensurar a Descentralização
Determinar o nível de descentralização necessário para obter benefícios regulatórios é um desafio. A discussão sobre o coeficiente de Nakamoto, uma métrica inspirada no coeficiente de Gini, é relevante aqui, pois busca quantificar a descentralização de um sistema. Contudo, independentemente do critério utilizado, a questão central é se o protocolo consegue eliminar os riscos que justificam a regulação. Como destaca Daniel Maeda, da CVM, muitos projetos DeFi ainda mantêm algum controle centralizado, o que impede que sejam considerados completamente isentos de regulação.
O Papel das Tokenizadoras e o Sandbox Regulatório
É essencial garantir que as ofertas públicas de tokens não desrespeitem as normas de valores mobiliários, evitando riscos de interpretações como emissões irregulares.
Conclusão: Não Basta Tokenizar, É Preciso Provar Eficiência e Conformidade
A tokenização, por si só, não transforma o mercado nem reduz riscos regulatórios. Para que essa tecnologia cumpra seu potencial disruptivo, as tokenizadoras devem demonstrar que seus produtos eliminam a necessidade de intermediários e operam com segurança e eficiência em conformidade com a legislação. Somente com transparência, governança e testes regulatórios rigorosos será possível criar um novo paradigma de comércio e finanças descentralizadas, ampliando os benefícios tanto para o mercado quanto para os consumidores.
Essa matéria destaca os desafios regulatórios e operacionais da tokenização, mostrando que a verdadeira inovação depende de mais do que a simples adoção da tecnologia. É necessária uma transformação estrutural acompanhada por regulação inteligente e comprometimento com a transparência.