No contexto da segurança pública, o conceito de “fundada suspeita” é essencial para delimitar os parâmetros de atuação dos agentes de segurança. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário 1513776/RS, julgado em 24 de setembro de 2024 pelo Ministro Alexandre de Moraes, aborda essa temática ao discutir a licitude de provas obtidas mediante abordagem policial sem mandado. Este artigo busca explorar o conceito de fundada suspeita, suas bases legais e a aplicação do chamado tirocínio policial, conforme entendimento do STF.
O Tirocínio Policial e a Fundada Suspeita
O tirocínio policial pode ser definido como a habilidade prática e experiência acumulada pelos policiais em sua atuação cotidiana, capacitando-os a identificar situações potencialmente criminosas. Esse critério subjetivo, por vezes, é empregado para justificar abordagens sem mandado, como quando há fundada suspeita de que um indivíduo possa portar armas ou objetos ilícitos.
Segundo o Código de Processo Penal (CPP), o artigo 244 estabelece que a busca pessoal independe de mandado “no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito.” A “fundada suspeita” exige que os policiais tenham elementos concretos, ainda que mínimos, para justificar uma intervenção sem autorização judicial.
Caso Concreto: A Decisão do STF no RE 1513776 / RS
No caso em análise, o Réu foi condenado pelo crime de porte ilegal de arma de fogo, após abordagem policial que resultou na apreensão da arma em seu veículo. A defesa argumentou que a abordagem não fora respaldada por fundada suspeita, alegando a inexistência de razões objetivas para justificar a revista, sendo absolvido pelo STJ, e, recurso ao STF o ministério público do Rio Grande do Sul alegou que haviam circunstancias objetivas de fundada suspeita quando o réu conduzia um carro de marca, modelo e cor exatamente iguais utilizado em prática de roubos que era de conhecimento da guarnição policial que realizou a abordagem.
A decisão do STF se alinhou ao entendimento de que, em ações de segurança pública, os policiais devem ter motivos claros e concretos para abordagens. O ministro Alexandre de Moraes reforçou que “a permissão para a revista pessoal […] decorre de fundada suspeita devidamente justificada pelas circunstâncias do caso concreto,” devendo as situações ser avaliadas de acordo com o contexto e os detalhes dos eventos, e não somente com base em “intuições e impressões subjetivas.”
Conforme o relator ministro Alexandre de Moraes : No caso, os agentes de segurança, que atuam no patrulhamento local e no combate à criminalidade, possivelmente possuem um olhar mais aguçado para determinadas situações, o que pode ir além da visão do cidadão comum. E, no cenário apresentado, seria de todo temerário que os policiais simplesmente ignorassem a presença de possível veículo que supostamente teria sido utilizado em crimes patrimoniais. Logo, ao contrário do aventado pela defesa, está bem delineada a fundada suspeita de que o apelado se encontrava em poder de coisa ilícita, nos termos dos artigos 240, § 2º, e 244 do Código de Processo Penal. […] Com efeito, no que se refere à busca pessoal, o art. 240, § 2º, do Código de Processo Penal, exige a ocorrência de fundada suspeita para que o procedimento persecutório esteja autorizado e, portanto, válido. (Supremo tribunal federal, 2024) leia decisão completa .
Dessa forma, ao contrário do que foi argumentado pela defesa, há uma clara justificativa para a suspeita de que o réu possuía objetos ilícitos, em conformidade com o que determinam os artigos 240, § 2º, e 244 do Código de Processo Penal. O artigo 240, § 2º, destaca que, para que a busca pessoal seja válida, é imprescindível que a abordagem esteja baseada em uma fundada suspeita, o que significa que os policiais devem possuir elementos que, ainda que mínimos, justifiquem a intervenção.
Considerações Finais
O julgamento no STF no RE 1513776/RS esclarece os limites da atuação policial, enfatizando a importância de balizar as abordagens na fundada suspeita com base em critérios objetivos. O tirocínio policial é fundamental para a identificação de situações suspeitas, mas ele não exime os agentes da necessidade de motivação clara e justificada para intervenções que restringem liberdades individuais.
Gerson Junior, é policial militar do paraná, especialista em Segurança pública e escritor premiado.
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