Apesar da queda do desemprego a patamares historicamente baixos, os gastos com programas sociais no Brasil continuam em alta, representando um desafio para a já pressionada situação fiscal do país. A crise sanitária da Covid-19 impulsionou esses gastos, que desde então não retornaram aos níveis anteriores, gerando preocupações sobre a sustentabilidade das contas públicas.
De acordo com Leonardo Andreoli, analista da Hike Capital, essa persistência se deve a fatores como a alta informalidade no mercado de trabalho, que atinge cerca de 40% da população ocupada, e a flexibilização dos critérios de elegibilidade dos programas sociais. Essa combinação permite que famílias com alguma renda, mas ainda dentro dos limites estabelecidos, continuem recebendo os benefícios.
Diante desse cenário, o governo tem buscado conter os gastos, com foco especial no Benefício de Prestação Continuada (BPC). Contudo, as despesas obrigatórias, em grande parte relacionadas a benefícios diversos, continuam consumindo uma parcela significativa do orçamento, limitando os investimentos em áreas cruciais para o desenvolvimento do país.
Gesner Oliveira, sócio da GO Associados e professor da FGV, ressalta o impacto dessa rigidez orçamentária, que impede a alocação de recursos para investimentos públicos. “O investimento público continua lá embaixo e isso é ruim, é necessário uma complementaridade entre os esforços do setor público e do privado”, observa.
Um dos pontos críticos é o aumento expressivo no número de beneficiários do BPC, que saltou 33% em 31 meses, adicionando 1,6 milhão de pessoas ao programa. As projeções do governo indicam que esse número continuará crescendo, podendo dobrar nos próximos 34 anos, o que eleva ainda mais o custo do programa a longo prazo.
Para especialistas como Guilherme Klein, professor da Universidade de Leeds, o aperfeiçoamento do cadastro e a fiscalização rigorosa são essenciais para combater fraudes e garantir que os recursos sejam direcionados a quem realmente precisa. No entanto, a discussão vai além do combate a irregularidades e se concentra na necessidade de promover a mobilidade social dos beneficiários.
Laura Müller Machado, do Insper, destaca que os programas sociais atuais, embora importantes para aliviar a pobreza, carecem de mecanismos claros de saída. “Faltam programas de inclusão ao trabalho mais robustos”, pondera a especialista, defendendo o aprimoramento dos mecanismos de focalização da concessão dos benefícios.
A expansão dos programas sociais, como o Bolsa Família, também foi impulsionada pela pandemia e pela flexibilização das regras de adesão. Essa tendência, segundo Leonardo Andreoli, da Hike Capital, pode gerar uma “rigidez orçamentária estrutural” se não houver contrapartidas de produtividade e formalização.
O governo reconhece o problema e projeta que, a partir de 2029, os gastos obrigatórios consumirão a totalidade do orçamento, inviabilizando investimentos e políticas públicas além das despesas já existentes. Diante desse quadro, José Ronaldo de Castro Souza Jr., economista-chefe da Leme Consultores, alerta para um “ponto de inviabilidade” e defende medidas estruturais para reverter essa situação.
Em conclusão, Gesner Oliveira enfatiza a necessidade de tornar os programas sociais mais eficientes, com mecanismos de saída para os beneficiários e fiscalização rigorosa. “Com as distorções, tem muito gargalo nos gastos. O setor público acaba que só arrecada e repassa. Temos que ter uma visão de realocar, diminuir gasto de alguns itens e aumentar em outros. Mas isso só faz com flexibilidade orçamentária”, finaliza.
Fonte: http://www.cnnbrasil.com.br