Um estudo inovador conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) apresenta resultados animadores no tratamento do HIV. Um participante da pesquisa conseguiu manter o vírus indetectável por 78 semanas, o equivalente a um ano e meio, através de uma terapia que busca reduzir a necessidade do coquetel antirretroviral convencional. Infectologistas que acompanharam o caso descreveram o período entre 2020 e 2021 como uma “cura funcional”.
O tratamento padrão para HIV geralmente mantém a carga viral em níveis indetectáveis, prevenindo o desenvolvimento da doença e a transmissão. Contudo, pequenas quantidades do vírus permanecem latentes nas células, continuando a produzir anticorpos. O paciente de São Paulo, cuja identidade é mantida em sigilo, demonstrou uma ausência aparente dessa carga residual por 17 meses, um resultado notável.
A observação crucial foi o desaparecimento tanto do vírus nas células quanto dos anticorpos, características que se assemelham aos raros casos de pacientes considerados curados da infecção. Segundo o médico Ricardo Sobhie Diaz, coordenador do estudo, a nicotinamida se mostrou promissora em “acordar” o vírus latente, permitindo que o tratamento o elimine. “A maior barreira para curarmos esses pacientes é quando o vírus fica ‘dormindo'”, explicou Diaz em entrevista ao Metrópoles.
Entretanto, é importante ressaltar que o caso do paciente de São Paulo não é reconhecido internacionalmente como uma cura definitiva, já que ele experimentou uma reinfecção em 2021, após contrair sífilis. Atualmente, ele retomou o uso do coquetel regular contra o HIV. A pesquisa, que teve início em 2015, envolveu 30 homens brancos latinos, com uma média de idade de 38,3 anos.
O tratamento experimental da Unifesp consiste em combinar o coquetel antirretroviral padrão com três medicamentos adicionais, que visam atacar e eliminar as células onde o HIV se esconde. Além disso, outros fármacos têm como objetivo reativar o vírus adormecido de forma controlada, facilitando sua detecção e destruição pelo coquetel, uma abordagem que os tratamentos convencionais não conseguem realizar.
Durante o estudo, os efeitos colaterais observados foram mínimos e não apresentaram gravidade. O relatório final indicou segurança, sem quedas significativas na imunidade ou piora no controle viral em nenhum dos participantes. Resultados similares foram observados apenas em casos de transplante de medula óssea. No entanto, a infectologista Keilla Freitas expressa cautela: “Ainda há muito o que entender nesse estudo”. Ela questiona se o retorno da carga viral no Paciente São Paulo foi devido a uma reinfecção ou à persistência do vírus em seu reservatório, ressaltando que outros pacientes do grupo não apresentaram a mesma resposta inicial.
Até o momento, a comunidade científica internacional reconhece sete casos de cura do HIV, todos alcançados por meio de transplantes de células-tronco (ou medula óssea) para tratar o câncer. O primeiro caso notório foi o de Timothy Ray Brown, o “paciente de Berlim”, em 2008, seguido por outro paciente na Alemanha, anunciado recentemente em 2024. Embora representem avanços significativos, os transplantes de medula óssea não são uma terapia segura para todos os indivíduos com HIV, sendo reservados para casos específicos de tratamento de câncer e apresentando riscos consideráveis.