As cardiopatias congênitas são a principal causa de mortalidade infantil tratável. Cerca de 1% das crianças nascem com cardiopatias congênitas estruturais e, dentre os natimortos esse percentual chegar próximo a 10%.
O exame cardíaco fetal começou a ser realizado na década de 90. Mas, a partir dos anos 2000 começou realmente a ter parâmetros, rotinas e detecção mais assertiva dos diagnósticos.
No Brasil, pouquissimas pessoas eram qualificadas para sua realização. Muitos saíram do Brasil, como foi minha experiência na Europa, para aprendê-lo de forma adequada e trazer as novas técnicas para nosso país.
Ainda ente 2000 e 2010, menos de 70 profissionais eram habilitados para fazê-lo. A grande maioria dos obstetras e as próprias Sociedades Brasileiras respectivas não consideravam importante sua realização de forma rotineira.
A indicação era apenas para gestantes com algum risco: parentes até 2º grau, doenças maternas, alterações detectadas ao ultrassom morfológico, doenças do tecido conectivo, arritmias fetais, hidropsia, gestações de alto risco, síndromes genéticas, idade materna avançada, dentre outros.
Entretanto, com o passar dos anos pudemos concluir que 85% dos recém-nascidos cardiopatas não apresentavam nenhum dos fatores descritos acima. Os bebês nasciam sem diagnóstico e a mortalidade continua alta devido ao despreparo na hora do parto ou mesmo até conseguir transferência para hospital com equipe médica e profissionais de saúde.
Aos poucos, médicos e pacientes foram percebendo a necessidade de ser feito rotineiramente por cardiologistas fetais e isoladamente do ultrassom de rotina. Após a ampla divulgação do exame, houve uma melhora significativa da mortalidade bem como das sequelas pós cirúrgicas desses pacientes.
Mas, apenas em 2019, no Brasil, o exame tornou-se obrigatório como rotina em todas as gestantes, com ou sem fator de risco. O aumento do diagnóstico das cardiopatias ainda intrauterinamente aumentou exponencialmente, bem como a sobrevida de dos fetos e bebês.
Hoje, vários centros de referência possuem residência e especializações para formação de novos profissionais capacitados. Muitas gestantes já procuram, espontaneamente por esse exame, mesmo quando o obstetra julga “bobagem” fazê-lo.
Quando uma cardiopatia congênita é detectada ainda dentro do útero materno, uma equipe multidisciplinar atua em prol de salvar sua vida: o cardiologista fetal, o ultrassonografista obstétrico, o obstetra que a acompanha o paciente, o cirurgião cardiovascular, o cardiologista e intensivista do hospital que receberá o paciente pós-natal e toda a equipe do CTI preparada (enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeuta, laboratório, preparo de possibilidade de transfusão de sangue, medicações específicas necessárias, equipe de anestesistas preparados e médicos plantonistas).
Podemos dizer que avançamos muito, principalmente nos últimos 10 anos aqui no Brasil. Congressos, discussões, artigos científicos, mais profissionais, tudo corroborou para uma melhoria exponencial da vida e sobrevida dessa população.
Destaca-se, que por motivos diversos, muitas regiões ainda não têm acesso a esse exame de tamanha importância e recém-nascidos morrem sem diagnóstico ou apenas o terão após a primeira semana de vida.
Dessa forma, fica claro como o exame deve ser acessível a todos os brasileiros e feito de forma rotineira. É de extrema importância a contínua formação de novos cardiologistas fetais para que possamos diagnosticar, tratar e preparar o nascimento e momento cirúrgico adequado.
Como costumamos dizer dentro da Sociedade Brasileira de Cardiologia Pediátrica, Pediatria e Obstetrícia: o ecocardiograma fetal salva vidas, literalmente!
