Especialista alerta para erros societários, contratuais e tributários que aumentam o risco de encerramento precoce

Embora o Brasil demonstre um vigoroso crescimento no cenário do empreendedorismo, as altas taxas de mortalidade empresarial continuam a ser um desafio. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em 2024, revelam que cerca de 20% das empresas brasileiras encerram as atividades ainda no primeiro ano de vida. A pesquisa também mostra que a situação se agrava com o tempo, e a taxa de sobrevivência cai drasticamente para apenas 37,3% após cinco anos de funcionamento.
Além dos inegáveis desafios econômicos e de mercado, muitos negócios sucumbem devido a entraves jurídicos e falhas de gestão que poderiam ser mitigados com um planejamento adequado e assessoria especializada desde a concepção da atividade. “A pressa em iniciar as operações e a tentativa de cortar custos com a assessoria legal desde o princípio acabam se tornando o principal fator de risco. Os erros mais frequentes giram em torno da estruturação societária, da redação contratual e do regime tributário”, explica a advogada do escritório Assis Gonçalves, Nied e Follador – Advogados, Maria Eduarda Ferreira Piccoli Tacla.
Tacla enfatiza que a fragilidade jurídica pode ser fatal, sendo que muitos empreendedores, especialmente em PMEs, priorizam a operação e deixam o ‘jurídico’ para depois. “Essa postergação é um erro estratégico. Problemas de sócios, a falta de contratos bem definidos ou a escolha de um regime tributário inadequado geram passivos e conflitos que, muitas vezes, inviabilizam a continuidade do negócio. O barato sai caro no mundo empresarial”, comenta.
Erros societários que condenam
Entre os erros societários mais comuns está a escolha do tipo societário (LTDA, S.A., Empresário Individual, etc.) sem uma análise aprofundada das responsabilidades e da estrutura de capital, o que pode ser o primeiro deslize. “Disputas entre sócios, a ausência de um Acordo de Sócios ou Acordo de Quotistas que defina regras claras para a entrada, saída, deveres e direitos, são bombas-relógio que podem prejudicar o exercício empresarial. Já na área contratual, a utilização de “modelos prontos” ou a falta de contratos específicos para clientes, fornecedores e, principalmente, colaboradores (CLT ou PJ) expõe a empresa a riscos de litígios e passivos trabalhistas ou cíveis”, explica a advogada.
A ausência de cláusulas de confidencialidade e não concorrência, por exemplo, pode também comprometer o know-how e a competitividade do negócio. “A escolha equivocada entre Simples Nacional, Lucro Presumido ou Lucro Real, sem o devido planejamento tributário, também pode resultar em uma carga fiscal excessiva ou em autuações do Fisco, comprometendo a saúde financeira da empresa”, reforça Tacla.
Como manter a longevidade
A advogada afirma que a chave para a longevidade empresarial reside na prevenção e no planejamento jurídico-estratégico desde o início, sendo que o processo de abertura não deve ser visto apenas como uma burocracia, mas como a fundação legal que sustentará toda a operação futura. “Uma empresa bem estruturada é aquela que consegue mitigar os riscos antes que eles se concretizem. Isso passa pelo planejamento patrimonial dos sócios, pelo alinhamento das expectativas mútuas por meio de documentos societários e pela correta formalização de todas as relações comerciais e de trabalho,” explica Tacla.
Além disso, o ideal é que o empreendedor invista na Due Diligence jurídica inicial, uma análise aprofundada para definir o tipo societário otimizado, implementar a governança societária por meio de regras claras (Acordo de Sócios/Quotistas), realizar o planejamento tributário alinhado à projeção financeira e estabelecer a conformidade (compliance) para prevenir multas e fraudes. “ A Due Diligence jurídica inicial é o alicerce de qualquer negócio que visa a longevidade. Muitos empreendedores veem a análise profunda do tipo societário, da governança (via Acordo de Sócios) e do planejamento tributário como um custo desnecessário de início, mas, na verdade, é o maior investimento em prevenção de riscos. É essa análise detalhada que define se a atividade empresarial terá o planejamento e a estrutura interna necessárias para resistir aos conflitos societários e às autuações fiscais, que são, infelizmente, causas frequentes da mortalidade precoce no nosso mercado”, finaliza.
Dicas práticas para abrir a empresa juridicamente correta
1- Além da assessoria contábil, consulte um advogado empresarial. A assessoria jurídica é fundamental para a correta elaboração do Contrato Social e dos Acordos Societários.
2 – Elabore um acordo de sócios (ou quotistas): este é o “contrato de convivência” que define regras de ouro, como o que acontece em caso de morte, dissolução, desentendimentos, e regras de compra e venda de participação (tag along, drag along).
3 – Defina claramente a responsabilidade dos sócios: escolha o tipo societário (ex: limitada) que proteja o patrimônio pessoal dos sócios em caso de dívidas da empresa, ressalvadas as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica.
4 – Crie modelos de contrato personalizados: invista em minutas de contrato para clientes, fornecedores e colaboradores. Contratos bem escritos previnem 90% dos litígios.
5 – Faça um planejamento tributário anual: analise a projeção de faturamento para o ano seguinte e defina o regime tributário mais vantajoso.
6 – Registre a marca e propriedade intelectual: proteja o nome, logomarca e produtos/serviços da sua empresa no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), evitando cópias e disputas judiciais.
7 – Formalize contratos com colaboradores (CLT ou PJ): garanta que os contratos de trabalho ou de prestação de serviços (PJ) estejam em conformidade com a lei, definindo escopo, jornada e remuneração de forma clara para mitigar passivos trabalhistas.



