Com o tema “Solos saudáveis para cidades saudáveis”, o Dia Mundial do Solo foi marcado por audiência pública e pelo I Encontro de Educação em Solos do Paraná, na UENP de Cornélio Procópio
O papel estratégico do solo, ainda pouco valorizado nas políticas públicas brasileiras, esteve no centro do debate da audiência pública realizada durante o Dia Mundial do Solo, no campus da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), em Cornélio Procópio. Especialistas destacaram que cidades saudáveis dependem, necessariamente, da proteção do solo e da água, essenciais para a regulação do clima, a produção de alimentos, a segurança hídrica e a qualidade de vida. Um solo saudável sustenta a produção, cicla nutrientes, abriga a biodiversidade, armazena carbono e garante a dinâmica da água.
A audiência pública abriu oficialmente o I Encontro de Educação em Solos do Paraná, dentro do tema definido pela ONU para 2025: “Solos saudáveis para cidades saudáveis”. O evento reuniu professores, pesquisadores, estudantes, técnicos, agricultores e representantes de instituições públicas como Instituto do Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-Paraná), Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento (SEAB), Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), Paraná Mais Orgânico, Associação dos Municípios do Norte Pioneiro (Amunopi).
Realizada em parceria com o Núcleo Estadual Paraná da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (NEPAR-SBCS) e a UENP, a audiência foi presidida pelo deputado estadual Luiz Claudio Romanelli, representante da Frente Parlamentar Municipalista e da Comissão Especial da COP 30. Na abertura, ele destacou que o solo ainda é pouco valorizado nas políticas públicas, apesar de seu papel decisivo na segurança alimentar e na segurança hídrica.
“O nosso compromisso é fortalecer ações e legislações que protejam esse recurso essencial para as atuais e futuras gerações”, afirmou. Segundo ele, os resultados do debate serão encaminhados à Assembleia Legislativa para subsidiar projetos voltados à conservação do solo e ao planejamento urbano.
Solo, água e clima: um sistema interligado
Durante a audiência pública, o engenheiro agrônomo e diretor do Núcleo Estadual do Paraná (NEPAR- SBCS), Dr. Oromar João Bertol, reforçou que o principal objetivo do Dia Mundial do Solo é chamar a atenção da sociedade para a importância estratégica do solo como um recurso natural essencial à vida.
Oromar ressaltou que os benefícios proporcionados pelo solo vão muito além da produção agrícola. O primeiro deles é a segurança alimentar. “De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), cerca de 95% dos alimentos consumidos diariamente no mundo têm origem direta no solo. Outro serviço fundamental é a segurança hídrica, já que o solo saudável é capaz de armazenar e purificar a água”, destacou.
O diretor também chamou a atenção para a relação direta entre solo e clima. Pesquisas indicam que, em apenas um metro de profundidade, o solo armazena três vezes mais carbono do que toda a atmosfera. “Isso mostra o quanto o solo é decisivo na mitigação das mudanças climáticas”, afirmou. No entanto, para que todos esses benefícios sejam garantidos, Oromar enfatizou que é indispensável cuidar adequadamente do solo, razão pela qual a ONU instituiu o Dia Mundial do Solo.
Erosão hídrica é o principal desafio no Paraná
Ao abordar a realidade do Paraná, Oromar explicou que o principal agente degradador do solo no estado é a erosão hídrica. Ela remove as camadas mais superficiais do solo, justamente onde se concentram carbono e microrganismos responsáveis pela fertilidade e pela estocagem de água. “A erosão empobrece o solo e compromete sua capacidade produtiva”, alertou.
Ele apresentou ainda um mapa elaborado a partir de tese de doutorado da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que mostra a capacidade das chuvas em causar erosão nas diferentes regiões do estado. Mesmo em regiões onde esse potencial é considerado menor, como Cornélio Procópio, a comparação internacional é alarmante: as chuvas locais possuem capacidade de causar de quatro a cinco vezes mais erosão do que as do continente europeu, podendo chegar a até 20 vezes mais em determinados locais. “Independentemente da região, as chuvas no Paraná têm alto poder de degradação se não houver manejo adequado”, afirmou.
Tecnologia e conhecimento como solução
Apesar do alto risco natural, o diretor do Nepar reforçou que o Paraná dispõe de conhecimento técnico e científico suficiente para controlar a erosão. Esses saberes foram construídos ao longo das últimas décadas por universidades, institutos de pesquisa, extensionistas e agricultores.
Entre as principais tecnologias citadas estão o plantio direto, aliado ao sistema de terraceamento e o plantio em nível, práticas que reduzem o escoamento superficial e permitem que a água da chuva permaneça dentro da propriedade. “A chuva não é um problema. Ela é uma solução, desde que o solo esteja preparado para infiltrar, reter e armazenar essa água”, explicou.
Segundo ele, ao manejar corretamente o solo, cria-se uma condição favorável não apenas para a produção agrícola, mas também para a conservação da água e para a sustentabilidade econômica das propriedades.
Oromar também destacou o valor econômico da água. Dados da ONU mostram que 70% dos empregos no mundo dependem direta ou indiretamente da água. No Paraná, onde o agronegócio e a indústria têm forte peso na economia, esse valor tende a ser ainda mais expressivo.
Agricultura orgânica e produção sustentável
Outro ponto abordado pelo diretor do NEPAR foi o avanço do manejo sustentável por meio da agricultura orgânica, com experiências consolidadas no Norte do Paraná. De acordo com a FAO, sistemas sustentáveis de manejo do solo podem proporcionar até 58% a mais de produção de alimentos saudáveis, aliando produtividade à conservação ambiental.
“O desafio agora é ampliar essas práticas e fortalecer políticas públicas voltadas à conservação do solo, à proteção dos recursos hídricos e à sustentabilidade da produção agrícola”, afirma.
Alerta Global
O professor da Universidade Federal do Paraná, Dr. Felipe Bonini da Luz, iniciou sua palestra, apresentando um episódio ocorrido nos Estados Unidos, na década de 1930, quando o manejo inadequado do solo, aliado a longos períodos de seca, transformou extensas áreas agrícolas em poeira, forçou a migração de famílias e levou o país a reformular suas políticas de conservação.
Estudos mostram que a degradação do solo está na raiz do colapso de antigas civilizações. “Onde o solo não foi cuidado, a sociedade desapareceu. Isso, por si só, já mostra a dimensão da importância desse debate”, afirmou o professor.
Serviços invisíveis que sustentam a vida
O pesquisador explicou que o solo é responsável por uma série de serviços ecossistêmicos essenciais, tanto para o campo quanto para as cidades. Entre eles estão a produção de alimentos, a filtragem e o armazenamento da água, a ciclagem de nutrientes, o sequestro de carbono, a regulação do clima e o abrigo da biodiversidade. “Quando o solo perde suas funções, todos perdem: o produtor, o consumidor e as cidades”, ressaltou.
O conceito de solo saudável, segundo ele, envolve a capacidade de produzir plantas, infiltrar e purificar água, ciclar nutrientes, estocar carbono e abrigar organismos vivos. Essas funções resultam em benefícios diretos à sociedade, garantindo bem-estar humano, dentro e fora do meio rural. O tema, inclusive, está no centro das discussões globais sobre mudanças climáticas e dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Avanços e gargalos no Paraná
O professor lembrou que o Paraná é pioneiro em práticas conservacionistas, especialmente no plantio direto, sistema que evita o revolvimento do solo. No entanto, ainda existem gargalos importantes, principalmente no cultivo de inverno.
Um levantamento apresentado por ele mostra que, neste ano, mais de 5,5 milhões de hectares estavam ocupados por lavouras de soja no estado, mas apenas uma parcela dessas áreas recebeu plantas de cobertura na entressafra.
“Solo descoberto é solo vulnerável. Ele fica exposto à erosão, perde nutrientes, carbono, água e biodiversidade”, alertou.
Na parte final da apresentação, ele trouxe um panorama nacional: apenas 34% dos solos brasileiros são considerados saudáveis, enquanto 38% já apresentam sinais claros de degradação. Apesar do cenário preocupante, afirmou que a recuperação é possível com práticas adequadas, políticas públicas consistentes, investimento em pesquisa, extensão rural e educação ambiental.
O professor também citou a criação da Aliança Brasileira de Saúde do Solo, em 2024, que reúne mais de 50 pesquisadores de 15 estados e lançou, durante a COP, o livro Saúde do Solo em Ecossistemas Tropicais: a base para mitigação e adaptação às mudanças climáticas, com acesso gratuito.
“O solo saudável é a base de uma engrenagem virtuosa: aumenta a produtividade, melhora a renda, fortalece o setor, sequestra carbono, conserva a água e reduz a emissão de gases de efeito estufa. É assim que se constroem cidades mais saudáveis”, concluiu.
A mesa oficial contou com a presença do reitor da UENP, o prof. dr. Fábio Antonio Néia Martini; da diretora do campus, profª Dra Vanderléia da Silva Oliveira; do diretor do NEPAR-SBCS, dr. Oromar João Bertol; da profª Dra Jully Gabriela Retzlaf de Oliveira; e do prof. dr. Felipe Bonini da Luz (UFPR).

I Encontro de Educação em Solos do Paraná
As ações do I Encontro de Educação em Solos do Paraná ocorreram no período da tarde, com estandes interativos do projeto “Solo na Escola”, que receberam a visita de estudantes. Participaram da programação projetos da Unioeste (Marechal Cândido Rondon), Universidade Federal do Paraná – campus Curitiba e Jandaia do Sul, Universidade Estadual de Londrina (UEL), Universidade Estadual de Maringá (UEM), UENP e também da Unesp de Ourinhos (SP).
Segundo a coordenadora do evento, a professora Dra. Jully Gabriela Retzlaf de Oliveira, a proposta do evento foi integrar os projetos, promover a troca de materiais e metodologias e aproximar a comunidade do Norte do Paraná dessas iniciativas realizadas em várias regiões. Os projetos atendem públicos de todas as idades, com destaque para crianças do ensino fundamental, já que o tema integra a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
“A proposta dos projetos parte da compreensão de que só é possível conservar aquilo que se conhece. Ao apresentar desde cedo a importância do solo e sua relação com a água, o clima, a produção de alimentos e a qualidade de vida, acreditamos que é possível formar cidadãos mais conscientes e preparados para enfrentar os desafios ambientais”, explica a professora.
Durante as atividades do I Encontro de Educação em Solos do Paraná, as crianças tiveram contato direto com diferentes tipos de solos de diversas regiões. Elas puderam observar as diferenças entre os materiais com o auxílio de lupas, analisando cores, texturas e composições, além de participar de oficinas criativas que utilizaram diferentes tipos de solo para a produção de pinturas. A aluna do 4º ano do Ensino Fundamental, Lívia Vieira de Campos, 9 anos, experimentava fazer uma pintura utilizando diferentes tipos de solo como tinta. “Essa tinta é feita de solo. Ainda não sei o que vou pintar, mas estou achando muito legal usar o solo aqui”, contou, entusiasmada.
Ao final do encontro, os coordenadores dos projetos participaram de uma mesa-redonda e afirmaram que a iniciativa terá continuidade. A proposta é transformar o evento em uma ação itinerante, passando por diferentes regiões do Paraná nos próximos anos e fortalecendo a rede de educação em solos no Estado.
Fonte: Assessoria de Imprensa. / Fotos: Divulgação.


