Advogado Charles Mazutti, do Mazutti Ribas Stern Sociedade de Advogados, explica o que a lei permite em casos de testamentos envolvendo celebridades
O caso que ganhou repercussão nacional nos últimos dias, de um empresário gaúcho que teria registrado testamento em cartório a decisão de deixar toda a sua fortuna para o jogador Neymar Jr., trouxe à tona uma série de questionamentos jurídicos sobre a validade desse tipo de ato.
O documento, lavrado em tabelionato de Porto Alegre, expõe uma situação curiosa: um fã, sem relação familiar com o atleta, decide transferir bens avaliados em bilhões para o ídolo esportivo. Segundo o advogado Charles Mazutti, sócio do Mazutti Ribas Stern Sociedade de Advogados, o ordenamento jurídico brasileiro não proíbe a escolha de herdeiros fora do círculo familiar, mas há limites que precisam ser observados para que a vontade expressa seja cumprida.
De acordo com Mazutti, qualquer pessoa maior de idade e em pleno gozo de suas faculdades mentais pode dispor de metade do seu patrimônio em favor de quem desejar, seja parente, amigo ou até mesmo uma celebridade. “O testamento é um instrumento legítimo para formalizar essa vontade, desde que respeitadas as regras da sucessão. No Brasil, metade do patrimônio deve obrigatoriamente ser destinada aos chamados herdeiros necessários — filhos, pais ou cônjuge, a depender do regime de bens adotado. Apenas a outra metade pode ser livremente destinada a terceiros”, explica. O advogado observa ainda que, em casos de inexistência de herdeiros necessários, o testador tem liberdade para destinar integralmente seus bens a quem desejar, como parece ser o caso divulgado.
Além disso, a formalização em cartório confere segurança jurídica ao ato, mas não elimina a possibilidade de contestação. “Herdeiros colaterais, como irmãos ou sobrinhos, podem tentar questionar a validade do testamento, alegando incapacidade, vício de vontade ou descumprimento de requisitos formais. Ainda assim, a tendência da Justiça é respeitar a vontade manifestada quando esta está claramente expressa e juridicamente amparada”, afirma Mazutti.
O episódio envolvendo Neymar serve de alerta para quem deseja deixar um legado semelhante a uma figura pública: a decisão precisa ser cuidadosamente planejada para evitar disputas futuras. O advogado recomenda que interessados procurem orientação profissional para avaliar se a disposição patrimonial será feita por meio de testamento ou doação em vida, considerando também os impactos tributários, como o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), que incide sobre essas transferências.
Para Mazutti, além da curiosidade que desperta no imaginário coletivo, o caso traz um debate relevante sobre autonomia da vontade e os limites da sucessão no Brasil. “O direito sucessório existe para equilibrar a liberdade individual de dispor dos próprios bens com a proteção mínima da família. Quando esses requisitos são respeitados, até mesmo a destinação de uma fortuna para um ídolo pode ser juridicamente válida e eficaz”, conclui.