Em uma decisão sem precedentes, a Justiça Federal de Santa Catarina reconheceu o direito de duas mulheres dividirem a pensão por morte de um homem com quem mantiveram uma relação estável por 35 anos. A decisão desafia entendimentos anteriores do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre uniões múltiplas.
A 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Santa Catarina reverteu uma decisão de primeira instância, garantindo o benefício do INSS às duas viúvas. Elas formavam, com o falecido, um núcleo familiar único na cidade de Santa Terezinha do Progresso (SC), em um relacionamento de poliamor.
A juíza relatora, Gabriela Pietsch Serafin, argumentou que o caso não se enquadrava em “uniões paralelas”, mas sim em um “núcleo familiar único e interdependente”, constituído de boa-fé. “A ausência de proteção estatal a esta família implicaria a desconsideração de toda uma realidade experienciada por mais de 35 anos”, afirmou a magistrada.
As duas mulheres, com 60 e 53 anos, compartilharam o mesmo lar com o companheiro desde 1988, no oeste catarinense. A família, dedicada à agricultura, teve oito filhos, quatro de cada uma das mães. A relação era pública e notória na comunidade local, e o homem faleceu em 2023.
A relatora reconheceu a proibição do CNJ ao registro de uniões poliafetivas em cartório, mas ressaltou que a norma “não impede que essas relações sejam reconhecidas judicialmente”. A magistrada diferenciou o caso de decisões do STF que barram o reconhecimento de uniões estáveis simultâneas, argumentando que se tratava de uma única família, e não de relações paralelas. O voto foi unânime, concluindo que negar o benefício previdenciário seria um “aviltamento da dignidade” dos envolvidos.