L’esclusa, de Pirandello
Por Pedro Ernesto Macedo – Jornalista
Poucos livros dizem tanto com tão pouco alarde quanto L’esclusa, de Luigi Pirandello. Não é um romance confortável. Não é uma leitura que abraça. É um livro que observa — e quem observa demais, sabe, começa a incomodar.
Pirandello não escreve para entreter. Ele escreve para desorganizar certezas. L’esclusa não fala apenas de uma mulher isolada socialmente. Fala de algo muito mais cruel: a forma como a sociedade constrói narrativas e depois pune quem não cabe nelas.
Marta Ajala não é expulsa por um crime comprovado. Ela é excluída por uma suspeita. Por um olhar. Por um comentário. Por uma história mal contada que ganha força suficiente para virar verdade. Pirandello antecipa, com uma precisão quase profética, aquilo que hoje chamamos de julgamento social, cancelamento, linchamento simbólico — muito antes das redes, dos algoritmos e da histeria coletiva.
E aqui está o ponto que muita gente ainda não entendeu: 2026 será o ano da exclusão silenciosa.
Não necessariamente da exclusão explícita, gritante, escandalosa. Mas daquela que acontece sem aviso. Um convite que não chega. Um espaço que se fecha. Um ambiente que esfria. Uma porta que não se abre mais — e ninguém explica por quê.
Pirandello nos mostra que a exclusão raramente é sobre fatos. Ela é sobre narrativas. Sobre quem controla a história. Sobre quem tem o poder de dizer “você é isso” — e fazer com que o mundo acredite.
Marta tenta resistir. Depois tenta se adaptar. Depois tenta se explicar. Depois se cala. E nesse silêncio acontece algo perigoso: quando o ser humano é obrigado a viver apenas pela versão que criaram dele, a identidade começa a rachar.
Pirandello entendia algo que só agora estamos começando a sentir na pele: o maior sofrimento moderno não é a dor física, é a crise de identidade. Quem sou eu quando o mundo decide quem eu sou? Quem sou eu quando minha versão interna não coincide com a versão socialmente aceita?
Em L’esclusa, não há vilões caricatos. Há estruturas. Há convenções. Há uma moral coletiva que se acha justa, mas age como máquina. Isso torna tudo mais assustador, porque não há um inimigo claro. O inimigo é o sistema invisível de expectativas.
E 2026 será exatamente isso: um ano em que viver fora da expectativa terá custo.
Custo emocional. Custo profissional. Custo social.
Pirandello não oferece saída fácil. Ele não romantiza a exclusão. Ele mostra o preço psicológico de existir à margem. Mostra o desgaste, a solidão, a lenta corrosão da autoestima. Mostra como o isolamento não é apenas social — é interno.
Há um momento em que Marta já não sabe se luta contra a injustiça ou se aceita o rótulo para sobreviver. E essa talvez seja a pergunta central para os próximos anos: até que ponto resistir vale mais do que se adaptar?
Vivemos uma época em que todo mundo é convidado a performar. A se posicionar corretamente. A dizer as palavras certas. A defender as causas certas — da maneira certa. Pirandello pisaria nesse palco com ironia silenciosa e perguntaria: quem você é quando ninguém está olhando?
O livro ensina algo fundamental para quem quer atravessar 2026 com lucidez: não confunda pertencimento com identidade. Pertencer é um acordo externo. Identidade é um pacto interno. E quando você troca um pelo outro, adoece.
L’esclusa também alerta para outro risco contemporâneo: o da falsa reintegração. Quando Marta, em certo momento, volta a ser aceita, algo já está quebrado. Porque a sociedade não pede desculpas — apenas muda de humor. E quem foi excluído aprende, para sempre, que o chão pode desaparecer.
Talvez essa seja a maior lição de Pirandello: o mundo não é um tribunal justo; é um teatro instável. Hoje você está no centro do palco. Amanhã, fora da cena. E se sua identidade depende disso, você cai junto.
2026 exigirá algo raro: espinha dorsal psicológica. Capacidade de sustentar quem se é mesmo quando o aplauso some. Mesmo quando o olhar muda. Mesmo quando a narrativa externa tenta te reduzir.
Pirandello não escreveu um romance. Ele escreveu um aviso. Um manual não oficial para tempos de instabilidade moral. Um espelho incômodo para quem ainda acredita que basta ser correto para ser aceito.
Não basta.
Em L’esclusa, aprendemos que o mundo não exclui apenas quem erra. Exclui quem ameaça a ordem simbólica. Quem escapa do roteiro. Quem lembra, só por existir, que a moral coletiva é frágil.
Entender Pirandello é entender que 2026 não será sobre agradar. Será sobre sustentar. Sustentar silêncio. Sustentar solidão. Sustentar identidade.
Porque no fim, como o próprio Pirandello parece sussurrar ao leitor atento, o maior risco não é ser excluído do mundo — é ser excluído de si mesmo.



